IEL e empresas apontam baixa procura de estágio por estudantes com deficiência

O estágio para pessoas com deficiência no TO: existem vagas; há deficientes; então qual o problema? Falta de procura e falta de informação.

IEL oferta vagas para pessoas com deficiência
Descrição: IEL oferta vagas para pessoas com deficiência Crédito: Eduardo Azevedo/T1

O que você sabe sobre a pessoa com deficiência no Tocantins e a busca pelo primeiro emprego?

 

Essa foi a dúvida que levou à análise desta reportagem. A inclusão social no mercado de trabalho é garantida por lei. No estágio, meio pelo qual muitos conseguem o primeiro emprego, não é diferente. Mas por que poucas pessoas com deficiência estão estagiando no Estado mais novo do Brasil? Seria por falta de vagas? Ou seria a falta de pessoas com deficiência? Você vai se surpreender com a resposta.

 

Vamos por partes.

 

Há vaga nas empresas?

“Sempre temos pessoas estagiando aqui das áreas de informática, agroindústria, agronegócio e segurança do trabalho. Deixamos sempre claro que não há restrição para a pessoa com deficiência assumir uma dessas vagas”, é o que diz o gerente de Recursos Humanos da Frango Norte, Francisco de Assis Gomes, quando questionado se haveria possibilidade de alguma pessoa com deficiência estagiar na empresa.

 

A coordenadora de Estágio do Instituto Euvaldo Lodi (IEL), Ilana Faria de Oliveira, confirma a busca por empresas e órgãos públicos por este perfil. De acordo com ela, sempre há solicitações específicas neste sentido. “Nos procuram muito aqui no IEL e pedem exclusivamente pessoas com deficiência”, disse.

 

Questionada pela reportagem se haveria uma vaga imediata para uma pessoa com deficiência estagiar, Ilana confirmou que sim e enumerou as áreas disponíveis. “Temos vaga para estudantes que fazem Arquitetura e Urbanismo, Mecatrônica, Secretariado e nas áreas de informática em geral. Para começar a trabalhar, o interessado precisa apenas confirmar que está devidamente matriculado e fazer uma redação”, completou.

 

Fechamos o primeiro ponto: há vagas de estágio para pessoas com deficiência.

 

Existem muitos estudantes deficientes no Tocantins?

Nos últimos tempos a inclusão da pessoa com deficiência nas escolas e universidades – garantida por lei – aumentou de forma significativa em todo o Brasil. No Tocantins não é diferente. Pelo menos foi o que mostrou o levantamento de dados feito pela reportagem no Estado. Para obter os números que serão mostrados a seguir, levou-se em consideração apenas as duas maiores universidades das três cidades onde o IEL possui unidade de representação: Palmas, Araguaína e Gurupi.

 

De acordo com dados repassados à reportagem pela Secretaria da Educação do Estado do Tocantins (Seduc), 420 alunos com deficiência estão regularmente matriculados no ensino médio estadual, distribuídos conforme o infográfico abaixo.

 

No ensino superior os números de estudantes também são significativos. Relatórios disponibilizados pelas universidades mostram que Universidade Federal Tocantins (UFT) é a que mais possui alunos com deficiência em seu quadro acadêmico, seguido pelo Centro Universitário Luterano de Palmas (Ceulp/Ulbra-Palmas). O Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos (ITPAC) de Araguaína fecha a lista. O Centro Universitário Unirg não atendeu às ligações da reportagem.

 

No total, somando os dados disponibilizados pelas três universidades, o número de pessoas com deficiência no ensino superior chega a 136. Você pode conferir os dados por cidade no infográfico abaixo.

Fechamos o segundo ponto: Há um número considerável de estudantes com deficiência regularmente matriculados no Tocantins.

 

Vamos ao terceiro ponto.

 

Onde buscar o estágio?

O primeiro emprego é um sonho para muitos estudantes, tanto pelas oportunidades geradas quanto pelo aprendizado adquirido. Também não se pode esquecer a remuneração, que ajuda muito na hora do aperto. Neste contexto, o estágio entra como um dos maiores facilitadores do ingresso de um aluno no mercado de trabalho. Acadêmicos, alunos do ensino técnico e médio estão aptos a conseguirem uma vaga – sem vínculo empregatício.

 

No Tocantins, por exemplo, o Instituto Euvaldo Lodi (IEL) é um agente de integração entre a empresa, o aluno estagiário e a instituição de ensino. Em visita à sede do IEL em Palmas, a reportagem buscou mais informações sobre o assunto e sobre a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

 

A coordenadora de Estágio Ilana Faria destacou que o IEL chega a atender mais de dois mil estudantes no Tocantins por ano. No entanto, ela destaca que há uma dificuldade em encontrar estagiários com deficiência. “Hoje temos apenas um acadêmico deficiente estagiando na Defensoria Pública, em Guaraí. A procura dos estudantes com deficiência é bem pequena. Acredito que não chega a 4 ou 5%. É realmente muito pequeno”, afirmou.

 

A coordenadora também relatou que, no IEL, as empresas privadas e órgãos públicos procuram frequentemente por pessoas com deficiência por ser um trabalho de inclusão social. Caso a vaga não seja preenchida por uma pessoa de deficiente, ela poderá ser ofertada para a ampla concorrência.

 

O IEL possui hoje várias unidades de representação, conforme o quadro abaixo, onde estudantes do ensino médio, ensino técnico e ensino superior podem buscar uma vaga de estágio.

 

 

Terceiro ponto esclarecido: no mercado de trabalho há vagas e também há procura por pessoas deficientes estagiarem, além de existir locais específicos para ele buscar o “primeiro emprego”. Vamos ao quarto ponto.

 

Existe lei que beneficia o estágio para o deficiente?

Existe sim, e é a mesma que regulamente o estágio para todos. Para facilitar o entendimento, a reportagem separou os três pontos onde a palavra “deficiente” é citada na Lei nº 11.788/08, conhecida como a Lei do Estágio.

 

 

Mas como é o estágio para um deficiente?

Muitas pessoas acreditam que a deficiência é um impedimento para a realização de qualquer tipo de atividade trabalhista, o que não é verdade. Uma pessoa deficiente pode desenvolver perfeitamente um trabalho de excelência e conseguir se estabelecer dentro do mercado de trabalho. Foi o que disse o estagiário de Direito Gerson Danilo Sousa Aranha, deficiente físico, que está há dois anos e meio na Defensoria Pública do Estado.

 

“É muito bom e gratificante o estágio. Desde o inicio até aqui consegui me aperfeiçoar. É um início de carreira brilhante. Estou satisfeito em trabalhar aqui, é muito satisfatório. Me sinto preparado”, afirmou o estudante que é deficiente físico e estagia por intermédio do IEL.

 

O que está faltando?

Há locais específicos que disponibilizam vagas e que cuidam contratualmente da relação estágio/empresa, como o IEL, que está desde Araguaína a Gurupi. Há muitos estudantes – do ensino médio ao ensino superior - com deficiência, conforme mostrado nesta reportagem. Existe a demanda por este profissional nas empresas e, para o estagiário com deficiência – assim como para qualquer outro – é uma ótima oportunidade de crescimento profissional garantido por lei.

 

Então o que está faltando para que aumente o número efetivo de estagiários deficientes? O que falta, conforme destacados por todos os entrevistados, é a procura por parte da pessoa com deficiência, agravada pela falta de informação.

 

Veja algumas das frases ditas pelos entrevistados:

 

“Não existe procura por parte de um estagiário portador de deficiência” - gerente de Recursos Humanos da Frango Norte Francisco de Assis Gomes.

 

“Temos dificuldades de encontrar estagiários com deficiência, mas [a divulgação] é uma coisa que a gente pode melhorar” - coordenadora de Estágio do IEL, Ilana Faria de Oliveira.

 

“As vezes a falta de divulgação atrapalha e também devido a uma certa facilidade em ser aprovado em concursos públicos, elas [pessoas com deficiência] estão engajadas em empregos com capacitação e remuneração melhor. Mas, na grande maioria, os deficientes não procuram e se acomodam, não estudam, não trabalham e acham que o mundo está perdido” -estagiário de direito Gerson Danilo Sousa Aranha.

 

A reportagem também entrevistou a estudante de Comunicação Social – Jornalismo, Caroline Barbosa dos Reis Ricardo, de 20 anos, que é deficiente visual. Atualmente ela estuda na UFT. A maturidade, o conhecimento e a delicadeza em expressar sua opinião na entrevista são tão grandes que optamos por reproduzir na íntegra as falas da acadêmica. Confira:

 

“O que que eu penso. Eu acho o seguinte...

Quanto ao assunto mercado de trabalho pro deficiente aqui no Estado, eu vejo que há uma falta de comunicação da duas partes, sendo que de uma das partes é a questão mesmo da falta de interesse também.

O quê que acontece.

Quando você me falou desse local (IEL) que fornece as vagas para deficiente ou para qualquer outra pessoa com necessidades especiais. Eu não sabia. Se eu não trabalhasse na UFT eu estaria indo atrás, mas não fazia ideia desse local que tem essas vagas de estágio e também o que a gente pode perceber aqui no Estado: o número de deficientes é alto, né?  Os deficientes visuais (por exemplo) a maioria se escondem aqui, que é uma coisa que eu percebi muito desde quando eu me mudei para Palmas. Foi um choque muito grande porque eles se escondem tanto que nem uma associação própria a gente tem né?

Então eu acho que acaba ocorrendo também isso, acaba ocorrendo essa sobra de vaga justamente porque tem deficiente que não vai atrás.

Dentro da faculdade mesmo, igual a gente conversou, eu passei pelo que eu passei quando eu entrei, só que a faculdade está melhorando. Por quê? Porque eu briguei e eu fui atrás. Eles nunca tinham lidado com deficiente que tinha brigado, que tinha ido atrás das coisas entendeu? E isso eu fiz.

Não quero ser mais do que ninguém falando isso de jeito nenhum, mas eu acho que se você não correr atrás você não consegue alcançar os objetivos que você quer alcançar e é isso o que a gente vê. Não sei se é o medo de muitos pais soltarem os filhos pro mundo como minha mãe diz, porque minha mãe fala que me criou pro mundo. E aqui a gente percebe que ocorre essa dificuldade também né? Dos pais terem medo de deixarem os seus filhos voarem, mesmo tendo algum tipo de deficiência.

Mas é isso. Eu acho que a questão dessa sobra de vagas ou da inclusão no mercado de trabalho é pouca, pelo deficiente não procurar e pela informação não circular porque não circula também. Não circula. Falta a circulação desse tipo de informação.

É isso que eu acho”, disse Caroline.

 

Sobre a parte da falta de divulgação, está aí o nosso alerta e a nossa contribuição. 

 

• Como a matéria trata da informação para pessoas com deficiência, a reportagem buscou deixar este material acessível para este público. A seguir pessoas com deficiência auditiva poderão ver um vídeo feito pelo professor de Libras da UFT Mike Krutzmann traduzindo a matéria.

• Já quem é deficiente visual poderá ouvir áudio narrativo da reportagem.

 

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