A crise, o concurso da Assembleia e as ilhas em meio ao caos no Tocantins

Enquanto o Executivo sangra, outros poderes vivem nadando de braçada no dinheiro público, que ao fim e ao cabo, sai de um cofre só. É hora de parar e por a mão na consciência...

Plenário da Assembleia Legislativa do Tocantins
Descrição: Plenário da Assembleia Legislativa do Tocantins Crédito: Foto:Clayton Cristus

O Executivo, primo pobre entre os três poderes, se prepara para dias de degola.

 

Estima-se nos bastidores, corte de 40% no total dos servidores comissionados. Fala-se em suspensão de pagamento a fornecedores, com exceção das pastas da Saúde e Segurança e outras medidas mais. Uma fonte, em off, nega que haverá calote generalizado, mas suspensão de novas despesas com cancelamento de empenhos ainda não executados.

 

Em meio a um cenário de fato alarmante, se formos observar a situação em que chegou o Estado do Tocantins - com caixa baixo, sem conseguir custear despesas mínimas, inclusive com combustível para viaturas da PM na semana que passou - fomos surpreendidos com a notícia do concurso da Assembleia Legislativa, que tanta expectativa causou e ainda causa…

 

Não é segredo para ninguém a disparidade salarial entre os mesmos cargos (ou correspondentes), que existem entre os poderes. Costuma-se comparar nas rodas de imprensa, não só quanto ganha um jornalista em cada esfera dos poderes, mas quanto ganham motoristas, garçons, e até assistente administrativo.

 

Ao longo dos anos e especialmente no fim do governo Marcelo Miranda, encerrado em 2009 e no governo de Carlos Gaguim - este fazendo aprovar mais de 40 leis diferentes concedendo benefícios e planos de cargos diferenciados a servidores - um abismo se abriu entre a realidade vivida pelo funcionalismo em cada poder. O percentual de repasse aos poderes foi institucionalizado, diferente dos governos anteriores (quando Siqueira controlava cada centavo e mantinha a folha dentro do limite prudencial, mesmo sendo considerado tirano).

 

Note-se bem: nada contra a Assembleia e o Tribunal de Contas, por exemplo, realizarem seus concursos. É esta mesma a modalidade correta de contratação de servidores. O que se precisa zelar, além da lisura dos certames, é pela coerência, pelo equilíbrio financeiro, pelo futuro.

 

De que adianta realizar concursos, como quer a Assembleia Legislativa, com salários altos (R$ 25 mil, R$ 33 mil) e lá na frente não conseguir honrá-los. O TCE, para não devolver dinheiro ano passado, fez a graça de conceder um bônus em torno de R$ 1.800,00 a seus servidores. Enquanto o cofre geral sangra. Um verdadeiro absurdo, o cúmulo da falta de lógica.

 

Parêntese...

 

O MPE recomendou que a AL respeite o limite da LRF e se abstenha de lançar concurso com cargos que contemplem apenas a formação de cadastro de reserva. Questiona o fato de a Assembleia não ter realizado estudo do impacto financeiro-orçamentário do concurso, exigência válida para todas as ações da administração pública que impliquem em aumento das despesas. Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, qualquer ação que não atenda essa regra é nula.

 

A OAB Tocantins, por sua vez, questiona o motivo de não ter sido chamada para participar da elaboração do edital do concurso para procurador jurídico, como prevê a Constituição Federal e Estadual. Na representação encaminhada à Assembleia, a OAB pede que o concurso seja suspenso ou que tenha o edital retificado a fim de corrigir essa irregularidade, e que a OAB seja chamada para a elaboração do edital retificado.

 

Já o Conselho Regional de Psicologia da 23ª Região identificou como passíveis de impugnação, no edital do concurso, a não correspondência de descrição dos cargos de Psicólogo Clínico e Psicólogo do Trabalho com a atuação destes profissionais nas organizações.

 

Fecha parêntese...

 

É como se dissessem: “o inferno é ali do lado, não chega aqui”. Mas chega, podem acreditar que chega. Ainda mais quando o caixa é um só.

 

As ilhas de prosperidade vividas pelos poderes Judiciário, Legislativo e seus órgãos de controle e assessoramento, como Tribunal de Contas e Defensoria Pública (que têm o direito a duas férias anuais com 100% de indenização garantido na resolução, embora afirmem que não estejam pagando) é algo inaceitável diante do empobrecimento do Estado.

 

Há quem argumente que os poderes não podem pagar pela má gestão do Executivo, seus desvios e passivos de corrupção. Concordo. Mas falta razoabilidade.

 

Na Assembleia, por exemplo, chamaram o edital do concurso sem antes fazer o ajuste de cargos, recomendado expressamente pelo Ministério Público Estadual. Por outro lado já se tornou práxis no Legislativo, realizar despesas altas, com dispensa de licitação, sob o falho argumento do notório saber.

 

Este concurso, por exemplo: quantas instituições têm notório saber para realizar provas de concurso público? Porque não permitir concorrência entre elas? Realizar um concurso, no apagar das luzes de uma gestão que está com telefones sem funcionar nos gabinetes há praticamente 40 dias, soa esdrúxulo.

 

Assim como soa estranha e inadequada a contratação de uma empresa de segurança privada, numa Casa que tem servidores para fazer sua segurança, dezenas de militares cedidos. E o preço? Nos bastidores fala-se em R$ 500 mil por mês, R$ 6 milhões por ano. Questionada, a Casa se cala. Nos diários oficiais do Legislativo, nada se encontra de publicação sobre o assunto.

 

É duro.

 

Num momento em que o Estado assiste pasmo, um ex-governador ser preso, num momento em que servidores públicos, presos e confrontados com processos fraudados e superfaturados, contam tudo, e dão nome e número aos bois, está na hora de uma grande reflexão.

 

Primeiro, de que a crise chega para todos. Segundo, de que é preciso parcimônia e prudência ao lidar com recursos públicos. Nem tudo que é legal é ético, e àqueles que é dado zelar pelo bem público, pelo equilíbrio financeiro do Estado e pelo direito dos mais frágeis, não é dado fazer tudo pelo seu benefício próprio.

 

A sensação de impunidade é ilusória. É preciso que todos façam a sua parte.

 

(Texto atualizado às 9h57 de 27/10/16)

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