Cenas de constrangimento e humilhação na falência do PlanSaúde no Tocantins

Com uma conta na casa dos R$ 45 milhões, prestadores de serviço ao PlanSaúde deixam de atender. Usuários são submetidos a cenas de constrangimento, instados a pagar duas vezes pelo mesmo serviço...

Eu estava duas senhas atrás da senhora com um menino entre 3 e quatro anos de idade, magro, com os olhos vermelhos, na noite da Quarta de Cinzas, na recepção do Hospital Oswaldo Cruz. A mãe, magrinha como ele, discutia com a recepcionista.

 

- “Não tem jeito de alguém avaliar ele pra saber se encaixa como urgência ou emergência? Vocês não têm uma triagem?”- perguntava entre aflita e nervosa.

- “Senhora, só quem pode avaliar isso é o médico durante a consulta”-  respondeu a recepcionista.

Atrás dela, um cartaz em folha Chamex informa: “Atendimento ao PlanSaúde suspenso. Só Urgência e Emergência”…

 

O diálogo continuava, interminável...

- “Ele está com febre? Questionou a moça da recepção.

- “Não sei, ele tá quentinho. Não tem como medir?”

- “A senhora quer fazer a ficha? Se for urgência, tudo bem, mas se não for, tem que pagar a consulta”.

Neste momento, vai passando uma enfermeira, que depois me atendeu na triagem. Ela não resiste e entra na conversa.

- “Senhora, a gente que é enfermeira não tem como dizer se é urgência ou emergência. Só o médico pode… A senhora acha que ele tá com febre?”.

A mãe levantou a blusa do menino e mostrou as manchas vermelhas na pele:

- “Olha aqui como que tá. Ele tá descaído. Não sei pra vocês, mas pra mim é urgência”.

A enfermeira, então vaticinou:

- “Ele tá com a garganta fechada? Só se fosse uma coisa assim…”

Dizendo que ia “procurar seus direitos”, a mãe saiu com a criança e outra, esta uma adolescente que lhe acompanhava. Não tinha os R$ 200,00 para arriscar fazer a ficha e depois ser cobrada.

Pano rápido...

No outro caixa, da mesma recepção, uma senhora de idade, pele negra, óculos e cabelos levemente esbranquiçados, era atendida.

O recepcionista, no mesmo tom:

-Senhora, é PlanSaúde? 

- Sim…

- Por que se não for urgência ou emergência o valor da consulta é R$ 200,00.

- Menino, eu quero é ficar boa! Hamm… -  respondeu ela.

- Como?

- Eu tô falando que eu quero é ficar boa…

- O que a senhora está sentindo?

- Dor. Muita dor nas pernas, nos braços…

- Eu só estou avisando senhora, que se não for emergência, o valor da consulta é R$ 200,00 -  voltou a repetir o recepcionista, como num mantra.

Ela acenou com a cabeça e fez a ficha. 

 

Constrangimento, humilhação. Foi o que senti por eles, ali naquela hora. E pensar que um dia, eu também paguei PlanSaúde, para ter um atendimento fora da fila do SUS.

O que já foi um diferencial para o servidor público, considerado até um privilégio por governantes que passaram pelo Araguaia, agora é fonte de mais aborrecimentos do que propriamente de benefícios.

De um lado, médico e hospitais que afirmam não poder atender, por que não receberam R$ 45 milhões relativos a 2015. De outro, usuários que recebem seus salários líquidos com o desconto consignado do que é a sua parte no custeio deste plano de saúde. Gente que volta da porta, por não ter R$ 200,00.

Hoje fomos pedir explicações completas sobre o problema para os dois lados. Escrevo após ouvirmos a presidente do Sindicato dos Hospitais e Prestadores de Serviços de um lado, e após ler a nota (incompleta) da Secad sobre o assunto.

De que forma este buraco ficou tão grande? 

A corda, agora e sempre, arrebenta do lado mais fraco.

A quem o usuário que paga -  por que é descontado -  vai recorrer?

Tristes cenas de um fevereiro pós-carnaval, no Tocantins.

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