Contadores de histórias vivem para sempre

O sol invade a porta do fundo, porta da cozinha, numa tarde de sexta-feira da Paixão, em que o maior prazer é ver passar o dia, sem estresse e impaciência...

Gabriel Garcia Marquez;o contador de histórias
Descrição: Gabriel Garcia Marquez;o contador de histórias Crédito: Web

Numa casa de quintal, das antigas aqui de Taquaruçu, no alto da privilegiada região serrana de Palmas, tudo é mais ameno. O clima, as pessoas e até um feriado que a muitos na “cidade grande” pode soar tedioso. Aqui há dias acontece um Festival de Circo, que vai até o dia 20. Uma troupe colorida ganhou as ruas, a padaria, a praça, com seus cabelos grandes, saias de retalhos, malabarismos...

 

O silêncio das crianças que dormem, das duas cachorrinhas que suspiram olhando o tempo e vigiando os gatos e o trinado calmo dos dois periquitos na gaiola - ainda transbordando da felicidade trazida pelos dois ovos que romperam com a chegada de filhotinhos esquisitos e sem penas – completam a cena e me permitem escrever.

 

Morreu um contador de (his) estórias, li há pouco no UOL. Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel Garcia Marquez deixa um legado de estórias brotadas da máquina de escrever ou do computador e que criaram um mundo fantástico a parte do mundo “normal”.

 

Vivemos mergulhados numa dose excessiva de realidade. Eu mesma, reflito, vivo dos fragmentos descartáveis de realidade que levo ao ar todos os dias. Textos que perdem a vida hora depois que foram escritos. Capítulos mais ou menos grotescos do que vernos da nossa rotina diária.

 

Que inveja boa de Gabo, o homem do realismo fantástico, escrevedor de estórias e histórias que nunca morrem.

 

Na minha memória e em fragmentos de textos escritos em papéis, repousam histórias e caixas de fotos antigas aguardando um tempo para se transformarem num registro que valha a pena ser lido destes anos que passaram por mim enquanto estou aqui e das histórias/estórias que vejo.

 

Repousam como se houvesse uma eternidade a minha frente de que eu pudesse dispor. Não há.

 

Tudo é tão rápido que correm o risco de se perderem enquanto exerço o jornalismo diário da sobrevivência, às vezes tão pobre quanto seus principais personagens. Pouca gente atualmente vale o registro de seus feitos.

 

Vale mais a história de Zulmira, escrita lá nos vãos da serra de Natividade, cheia de sua sabedoria sobre as plantas do cerrado, que ainda não tive tempo suficiente para aprender como se deve.

 

Ou a sapiência de Dona Yayá, que vive bem alí ao lado do Mangueiras, na sua pequena casa cheia de periquitos e papagaios que caminham pelo muro, nos batentes da varanda ou pelo chão. Ela benze, reza e cura há anos, vivendo imersa na sua simplicidade de lindos vestidos costurados em casa e rosários.

 

O Tocantins é tão cheio da vida dos seus personagens. A vida que se debruça sobre a minha janela nesta tarde é maravilhosa.

 

Assim, sem pregação nenhuma - já que não me considero apta a fazê-las - quebro a monotonia da tarde e do noticiário político desta sexta da Paixão para refletir sobre a morte do jornalista e escritor, que eternizou sua infância e sua aldeia em livros. Que criou personagens fascinantes nascidos dos tipos raros que conheceu.

 

Gente cheia de vida para além do noticiário e da política.

 

Ah, como o meu desejo é viver mais neste outro universo do que no da correria que vivo sempre por aqui.

 

É que contadores de histórias transformadas em estórias nunca morrem. A literatura, diferente do jornalismo vive para sempre.

 

Vá com Deus, Gabo!

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