Depois de Jean, Zé de Abreu: o que o cuspe diz sobre esse momento no Brasil

Depois do cuspe de Jean Willys em direção à Bolsonaro, do cuspe do filho de Bolsonaro em Jean, o Twitter foi ao delírio no fim de semana com o cuspe de Zé de Abreu em um casal. E a explicação...

Zé de Abreu no Faustão: explicações
Descrição: Zé de Abreu no Faustão: explicações Crédito: Globo.com

O cuspe é o murro do covarde.

 

A frase me veio à cabeça depois de assistir ao vídeo do entrevero entre Zé de Abreu e o advogado que o xingava insistentemente no restaurante japonês. Assisti num blog que dava razão ao casal, e identificada Zé como “o ator petista da Globo”. Fui levada a ele depois de saber pelo Twitter da repercussão das explicações do ator no programa do Faustão, e ouví-la.

 

Em tempos mais primitivos do que esses em que vivemos, as diferenças de opinião não eram motivo para tanto. As ofensas à honra sim, provocavam duelos daqueles que se lê em livros e se vê eventualmente em filmes. Neles, na hora marcada, dois homens armados se enfrentavam para ver quem sobreviveria.

 

Em tempos mais recentes, últimas décadas do século que recém terminou, xingar a mãe ou a mulher do outro, entre os que não eram nobres, podia fatalmente terminar em briga de bar, em briga de rua. Tiro, faca, o que estivesse à mão.

 

Com a evolução das leis e a punição mais dura para agressões físicas -  privação de liberdade, por exemplo - o homem “evoluiu” para as ofensas verbais, morais.

 

É o que se vê na história mais recente do Brasil, em que as provocações de grupos de direita e de esquerda tomaram conta dos espaços públicos. Em que pensar diferente, ou fazer parte de um governo que desperta paixões, ódios e amores, torna as pessoas alvo não só mais da deselegância, ou da falta de educação, manifesta em gestos pessoais de reprovação, mas em atos organizados, pensados, feitos para provocar.

 

Assistindo o trecho da entrevista do ator José de Abreu ao Faustão no domingo -  depois de um feriadão fora das redes e da TV - me deparei com um argumento que ainda não tinha considerado: o quanto os brasileiros têm sido incitados ao ódio, contra o PT, por discursos fortemente construídos e replicados nas redes, na TV e em toda parte. Zé de Abreu - que tentava justificar a cusparada que deu no casal que provocava e agredia insistentemente sua mulher num restaurante japonês - lembrou do termo “petralha”, cunhado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, da Veja, autor de um livro sobre o tema.

 

De fato “petralha” tem sido um termo utilizado para igualar por baixo quem de alguma maneira acredita em algo de bom feito pelo PT, ou que se atreva a enaltecer as qualidades de Lula, como presidente do Brasil durante oito anos, ou ainda que defenda a presidente Dilma do impeachment. 

 

Remete a “metralha”, dos irmãos metralha, quem não se lembra? era o trio das histórias de quadrinhos, vestidos de uniforme de presidiário, e cuja única função era roubar e tentar escapar.

 

De fato há alguma verdade nas palavras de Zé de Abreu, quando diz que quer se propagar a mentira de que todo petista é ladrão, e de que quem defende alguma coisa ligada ao PT também o é. Perdeu-se o bom senso e o relativismo, ao dividir o País em dois grupos distintos. Como se os corruptos estivessem de um lado só. Ledo engano. Onde estão Cunha, das contas na Suíca, e Temer, das quatro citações na Lava-jato?

 

Parênteses.

 

Outro dia o Facebook divulgava um link em que era possível identificar seus amigos que já curtiram o perfil de Bolsonaro, ou algumas de suas ações, gerando uma lista. Na linha do tempo de um amigo, vi o link e gerei a minha, apenas para ficar triste com alguns e assustada com outros.

 

Abomino a conduta de Bolsonaro, sua postura, suas defesas mais absurdas. Mas com certeza não cuspiria nele num vôo, ou o xingaria num aeroporto.

 

Comecei excluindo os três mais chatos. No quarto, parei. Era uma pessoa de quem eu gosto. Então decidi que não excluiria ninguém apenas por curtir aquele que eu detesto por simbolizar tudo que eu vejo de pior ( e o pior não é exaltar Ustra, o general torturados, creiam).

 

Parei nos três chatos e escrevi um texto curto explicando aos meus amigos que ainda apostaria no diálogo enquanto isso fosse possível.

 

Por incrível que pareça foi o texto mais comentado que escrevi nas últimas semanas no face. 

 

Fecha parênteses. Vida que segue.

 

Falo do cuspe para falar de intolerância às diferenças e suas reações.

 

O cuspe de Jean Willys, por exemplo, ou a tentativa de cuspir em Bolsonaro à distância, me lembrou o jeito das baianas, em geral, no Pelourinho, reagirem à provocações. Lá elas partem para a briga, com aquele jeito meio engraçado e provocativo de: “que é que tá olhando meu homem? Venha cá que vou lhe mostrar…”(rs…)

 

Vi algumas cenas assim em minhas passagens por Salvador. São pessoas que à sua maneira,não levam desaforo para casa. Resolvem primeiro batendo boca e depois rolando ladeira. É engraçado? é. Mas não é para mim, nem para muitos resolverem assim suas diferenças.

 

O problema é que chegamos a um momento da vida nacional em que qualquer opinião -  salvo raras exceções -  pode ser externada, ofendendo, agredindo e maltratando com as palavras. Ofendendo e intimidando. E poucas vezes se encontra na Justiça ( que a princípio deveria ter substituído aqueles duelos de antigamente) a resposta adequada.

 

Procura-se lavar a honra hoje mais nos tribunais, do que nas ruas.

 

Volto ao começo. A frase que me veio à cabeça depois de ver a entrevista do Zé de Abreu. O cuspe é o soco na cara de quem não tem a coragem de dar o murro. O cuspe não pode ser tipificado como agressão física. Não gera esse tipo de processo.

 

Por outro lado, imagine se Jean tivesse a oportunidade e a atitude de reagir com um tapa na cara de Bolsonaro, à provação dele e do filho, deputado (que o cuspiu também)? Daria a chance perfeita para uma agressão física. O sonho dos extremistas de direita, incomodados com o jeito  (porra louca?) de Jean Willys atuar na política, é poder lhe dar uma surra. Para quem duvida de quanto ódio ele pode despertar com o seu jeito de fazer a defesa da comunidade LGBT, basta fazer uma breve pesquisa no google e no facebook.

 

O problema  do cuspe é o que ele revela. Um desprezo de um lado e a necessidade do confronto, com a arma que se tem de outro.

 

O cuspe rebaixa o adversário. Tem a intenção de humilhar, revela nojo e é um ato em si, asqueroso. Se de mim o rejeito como arma e estratégia, vi muita gente nas redes, aplaudindo e defendendo, com frases: “Jean me representa”, ou “Ele cuspiu por nós”(sic)…

 

O que esse momento de bate (com ofensas morais) e revida (com cuspe) revela é que muitos brasileiros estão perto de acender um barril de pólvora com gestos que ateiam mais combustível ainda à ignorância. 

 

Aproximamo-nos de voltar à barbárie catártica - que já acontece em alguns espaços - das vias de fato. Isso não é bom para ninguém.

 

O que todos precisariam fazer é desarmar o espírito e combater idéias com idéias, sem ofensas.

 

Não tenho muita esperança de que isso aconteça, mas ainda acredito que a turma do bom-senso, que assiste calada à troca de provocações, tem o poder de parar o avanço da onda de ódio e da intolerância.

 

Menos ofensas. Menos provocações. Mais civilidade no debate.

 

Quem sabe…

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