Máfia, morte e poder: um jogo pesado de interesses escancarados no Caso Vencim

Tem ares de escândalo entre a classe política e alta sociedade em Palmas, o pedido de prisão do presidente do Sindiposto, Eduardo Pereira, Duda, apontado pela polícia como mandante da morte de Vencim

Ministério Público do Tocantins
Descrição: Ministério Público do Tocantins Crédito: Foto: Ascom/MPE

O comentário quer mais se ouve, das rodas de pessoas mais simples, até às de políticos que já viram de tudo, é um só: como pode um empresário milionário mandar matar outro, por causa de um posto de gasolina?

 

É o que vai na rua desde que os delegados do Caso Vencim Leobas, de Porto Nacional, e o MPE apontaram como mandante do assassinato do empresário portuense, o presidente do Sindiposto, Eduardo Augusto Pereira, o Duda.

 

O Ministério Público representou criminalmente o acusado - uma vez que o executor do crime e seu comparsa, Alan Sales Borges e José Marcos Lima, já respondem pelo assassinato em outro processo e se encontram presos - e teve o pedido de liminar decretando a prisão de Duda, negado pelo juiz Márcio Barcelos Costa.

 

O magistrado negou o pedido alegando que a prisão cautelar é usada com o objetivo de evitar a fuga do acusado. Perigo que ele não vislumbra. Por outro lado, argumenta o juiz, o depoimento da namorada de Vencim, Marilene Batista dos Santos - que testemunhou o ato, e afirma estar sofrendo ameaças de intimidação, vigilância velada nos arredores de sua casa em Porto Nacional e inclusive ter a casa abordada por um estranho a pretexto de entregar uma “bicicleta rosa”, que ele não portava - não é suficiente para se afirmar que ela esteja sendo ameaçada pelo representado, o presidente do Sindiposto.

 

Os depoimentos de oito testemunhas no total, todas apontando para o fato de que o empresário temia pela vida, por estar sofrendo ameaças em razão de tentar abrir um posto de combustível na Capital, para vender mais barato do que o preço praticado em Palmas, também foram considerados insuficientes pelo juiz para estabelecer que exista alguma “situação concreta de intimidação ou ameaça a testemunhas, gerada pelo representado”.

 

Abre parênteses.

 

Os áudios obtidos na escuta policial autorizada e que foram transcritos na peça final do inquérito, o relatório encaminhado ao MPE, são reveladores. Não da materialidade do crime. Não há uma gravação em que Duda apareça mandando executar o crime, ou determinando que alguém pague os autores do ilícito. 

 

No entanto, os trechos de conversa entre o empresário e presidente do Sindiposto com um tal Leidimar (na verdade Neyzimar), chefe do fiscal que autuou um de seus postos e tentou fechá-lo, em que este ameaça claramente de “arrebentar” o fiscal, é de assustar. 

 

Outro áudio, em que o mesmo Duda, fala com um funcionário seu e determina que ele coloque a arma na cintura e dê um recado claro ao mesmo fiscal -  que estava no posto naquele momento -  de que não aceita que o posto seja fechado e que vai “arrebentar” com sua vida, é igualmente gritante sobre o “modus operandi”, adotado pelo acusado para defender seus interesses quando ameaçados.

 

Mais adiante a leitura das peças da Polícia Civil e do MPE, fica claro o jogo de poder político, de influência, na tramitação de processos.

 

A conversa entre o ex-vereador Ivory de Lira e Duda deixa claro que o prefeito Carlos Amastha - citado pela filha de Vencim como sócio-amigo de Duda - estaria com a intenção de mandar à Câmara de Palmas um projeto para derrubar o limite entre dois postos, de 1.500 metros de distância. Em Goiânia, encontramos dois postos frente um ao outro, em cada esquina. Coisa que segundo proprietários de postos já declararam ao T1 Notícias em matérias sobre a inexistência de concorrência em Palmas, gera um “canibalismo”, que baixa os lucros de todos.

 

Ivory afirma ter sido avisado da intenção de Amastha pelo vereador Milton Néris, que já estaria brigado com o prefeito. Neste momento, Duda pede para ser avisado caso o assunto entre em pauta, por que aí ele próprio afirma: “vou pra cima do prefeito”.

 

Amastha reagiu hoje em coletiva, argumentando que contrariou os interesses de Duda, deixando de aprovar o projeto de um de seus postos, que foi reprovado duas vezes, só no Urbanismo. O prefeito parte para o ataque contra Raul Filho, ex-prefeito que aprovou lei alterando o Plano Diretor e criando novas áreas de postos. À época Raul afirmava estar justamente combatendo o falado cartel do combustível em Palmas, mas Amastha afirma o contrário: que a atitude beneficiou vereadores da época e o próprio filho do ex-prefeito, que é proprietário de uma destas novas áreas onde um posto está em construção.

 

Raul Filho também reage à Amastha, o chama de "mentiroso" e afirma que a prefeitura virou balcão de negócios em sua gestão, em entrevista por telefone ao T1 Notícias.

 

O depoimento que envolveu o nome de Amastha como sendo ligado a Duda é o da filha do empresário assassinado, Talyanna Leobas, que assumiu os negócios do pai e teria sido orientada por um funcionário da prefeitura a mudar de postura e aceitar entrar no conluio para alinhar preços. Ela não nomina o funcionário.

 

A diferença do litro da gasolina em Palmas, como se sabe, tem variações na casa de centavos, uma insignificância, o que há mais de 15 anos provoca um clamor popular e a desconfiança, manifestada claramente por populares, mas nunca provada, de que há um cartel operando na capital.

 

Fecha parênteses.

 

Máfia dos combustíveis, jogos de poder e influência nunca estiveram tão em evidência quanto agora, quando o Ministério Público tem uma oportunidade única - ainda que lamentavelmente à custa da vida de alguém - de expor e comprovar como agem alguns empresários do ramo para controlar os preços do setor de combustíveis na capital.

 

Se realmente o presidente do Sindiposto é o responsável por isto ou não, o tempo, as provas nos autos e o julgamento final deste caso mostrarão.

 

Por hora, o pedido de prisão e a divulgação dos áudios, seja no processo ou mais forte ainda, no material que a TV Anhanguera levou ao ar, já escandaliza a sociedade palmense e tocantinense o suficiente para exigir das autoridades envolvidas na apuração e no julgamento, zelo, coragem e competência para esclarecer o caso.

 

Fica claro que há sérios problemas aí. Não há como fugir do que está levantado nos autos.

 

Para nós, simples mortais, clientes obrigados a pagar por uma das gasolinas mais caras do País, fica a pergunta que está nas rodas.

 

A gente até compreende que um viciado mate por um par de tênis, que pode lhe render uma pedra de crack. Mas é destruidor para a fé no ser humano imaginar que um homem milionário possa mandar tirar a vida de outro, por que supostamente quer abrir um posto de gasolina a mais, sem concorrência.

 

Nos autos, Helvécio Coelho Rodrigues, também do ramo, afirmou à polícia que era conhecedor das ameaças à Vencim, e que o mesmo estava angustiado. Sustenta também que sabia que sua cabeça estava a prêmio por R$ 350 mil, e que acredita só não ter sido executado por ter contratado seguranças.

 

Durma-se com um barulho desses.

 

Máfia de combustíveis, cartel e morte é uma combinação que o Tocantins não pode mais ignorar.

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