A inexistência de inelegibilidade de prefeitos pela rejeição de contas pelo TCU

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A Lei Complementar 64/90, através do art. 1º, aliena I, letra “g”, prevê em seu texto a hipótese de inelegibilidade para “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”.

 

As prestações de contas são apreciadas administrativamente pelos Tribunais competentes: Tribunal de Contas Estadual e Tribunal de Contas da União, conforme previsão contida nos artigos 31 e 71 da Constituição Federal.

 

Nesse contexto, entendiam grande parte dos Tribunais Eleitorais, que a rejeição da prestação de contas de gestão de prefeito – destacadamente as Tomadas de Contas Especial - pelo Tribunal de Contas, acompanhadas pelos demais pressupostos elencados na alínea “g”, do art. 1º, da Lei 64/90 tinham o condão de atrair a inelegibilidade.

 

No entanto, com o advento do recente julgamento do RE 848826/DF, em sede de repercussão geral, o Colendo Supremo Tribunal Federal firmou entendimento fixando a competência da Câmara de Vereadores para julgamento de prestação de contas de Prefeito para fins de aferição da inelegibilidade derivada da rejeição da prestação de contas, em verbo:

 

O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente), que redigirá o acórdão, fixou tese nos seguintes termos: “Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea "g", da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores".

 

Cumpre pontuar que as prestações de contas de convênios, sejam eles estaduais ou federais, no entender do aclamado Celso Ribeiro Bastos, figuram com natureza jurídica de contas de gestão, também chamadas de contas de ordenadores.

 

E nesse sentido, por caracterizarem-se como contas de gestão, aplica-se igual entendimento consubstanciado no julgamento do RE 848.826[1], notadamente que o Parecer ou decisão do Tribunal de Contas da União não tem o condão de acarretar a inelegibilidade pretendida pelo impugnante (efeito que teria somente se a Câmara de Vereadores as julga-se como irregulares).

 

Ao debruçar-se atentamente aos debates dos eminentes Ministros da Corte Suprema quando do julgamento do RE 848.826, se extrai que no caso das contas de gestão apreciadas pelo TCU, também se estende o entendimento favorável á impugnada, veja-se:

 

Ministro Gilmar Mendes

Uma reflexão rápida. Há uma peculiaridade que se coloca, inclusive quanto à atividade do Tribunal de Contas da União, nas chamadas Tomadas de Contas Especial.

 

Como há hoje um modelo, vamos chamar de colaboração federativa, União/Estados ou União/Municípios. Especialmente os Municípios são os casos que se manifestam no TSE.

 

E muitas vezes, o Tribunal de Contas faz essa Tomada de Contas Especial e condena, faz glosa. Isso é muito comum. E ai vem a pergunta que o Ministro Barroso estava falando, qual ou quanto o significado do exposto no art. 71, II? Isso também pode ocorrer na Tomada de Contas Especial no âmbito do Tribunal de Contas Estadual. Qual o significado desta decisão? Isso me parece que terá que ser considerado, quer dizer, Nós temos a mesma visão...”

 

No mesmo sentido, teor do voto oral do ilustre Presidente do STF, Ministro Ricardo Lewandowiski, reforçando a predominância da soberania popular via decisão final através da Câmara de Vereadores, em verbo.

 

Ministro Ricardo Lewandowiski

As contas do Prefeito seriam sempre examinadas pela Câmara Municipal. E fazíamos porque entendíamos que era necessário, era desejável, sobretudo no estado democrático de direito, privilégios a soberania popular e os verdadeiros representantes, evidentemente o povo, representam o cidadão, representam os munícipes. São eles que tem, pela força da própria Constituição, o direito de julgar estas contas do prefeito, sem distinção.

 

Eu verifiquei que houve um exacerbamento hermenêutico com relação à essa lei (ficha limpa), e hoje, o número de candidatos que se tornam inelegíveis por um parecer, um julgamento entre aspas, porque tenho duvidas se podemos chamar o pronunciamento do Tribunal de Contas de julgamento.

 

O numero de políticos, notadamente de prefeitos que se tornam inelegíveis por uma decisão de natureza administrativa, vem crescendo de forma exponencial. Essa é uma preocupação que quero expressar, e por isso que acho que devemos prestigiar a democracia, a soberania popular.

 

Inadequado seria esquecer o precedente do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 132.747, rel. Ministro Marco Aurélio, em 1992, assim assentado:

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - ACÓRDÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - FUNDAMENTO LEGAL E CONSTITUCIONAL. O fato de o provimento atacado mediante o extraordinário estar alicerçado em fundamentos estritamente legais e constitucionais não prejudica a apreciação do extraordinário. No campo interpretativo cumpre adotar posição que preserve a atividade precípua do Supremo Tribunal Federal - de guardião da Carta Política da Republica. INELEGIBILIDADE - PREFEITO - REJEIÇÃO DE CONTAS - COMPETÊNCIA. Ao Poder Legislativo compete o julgamento das contas do Chefe do Executivo, considerados os três níveis - federal, estadual e municipal. O Tribunal de Contas exsurge como simples órgão auxiliar, atuando na esfera opinativa - inteligência dos artigos 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, 25, 31, 49, inciso IX, 71 e 75, todos do corpo permanente da Carta de 1988. (STF - RE: 132747 DF, j. 17/06/1992,  Pleno).

 

Torna-se relevante relatar que os Juízes Eleitorais de Primeira Instância, em sua maioria, tem refutado a tese de inelegibilidade decorrente da rejeição de contas de prefeito pelo Tribunal de Contas da União, fundamentando as decisões em sintonia com a decisão da Corte Suprema em sede de repercussão geral, veja-se as sentenças proferidas pelos Juízes Iluipitrando Soares Neto, no RCAN nº 24020.2016.627.0017 (Taguatinga), Baldur Rocha Giovanni, no RCAN nº 32609.2016.627.0011 (Itaguatins) e
Cibele Maria Bellezzia no RCAN nº 24011.2016.627.0020.

 

Destaca-se textos das citadas sentenças, que adotam a mesma linha interpretativa adotada do eminente Min. Ricardo Lewandowski ao proferir o voto divergente vencedor

 

Iluipitrando Soares Neto

“Este posicionamento do STF faz todo o sentido, eis que atribui ao Legislativo a promoção de um julgamento político dos atos do gestor municipal. Um julgamento político tem sua lógica porque permite aferir se foi atendido, com uma visão de interesse público, àquilo que corresponde à necessidade da comunidade. Tecnicamente, o objetivo de um julgamento político é esse: dar oportunidade ao gestor de escolher o que é melhor para a comunidade. Já um julgamento eminentemente jurídico, técnico, por sua vez, demanda que se atenda à rigidez das normas, dificultando a valoração do ato como o mais adequado para atender à necessidade da comunidade. Ademais, atribuir ao Legislativo o julgamento das contas do gestor municipal é ratificar um múnus público delegado aos seus membros pelos eleitores. Não se está aqui a defender manobras desleais ou ilegais. Que fique claro. Entretanto, há que se considerar a interpretação teleológica da norma, sempre.”

 

Baldur Rocha Giovanni

Os recentes julgamentos em plenário do Supremo Tribunal Federal nos Recursos Extraordinários de números 848826 e 729744, e com repercussão geral reconhecida, entenderam que o órgão competente para julgar contas do prefeito, a fim de gerar inelegibilidade dele, seria da Câmara de Vereadores.

 

Portanto, não prospera as informações de inelegibilidade ocasionadas pela desaprovação das contas da candidata pelo TCU, nos termos do art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar nº 64/1990, trazidas até este momento neste feito.

 

Cibele Maria Bellezzia

Como bem asseverou o representante do Ministério Público em recente decisão do Supremo Tribunal Federal tal rejeição por parte dos Tribunais de Contas em nada impactam no processo eleitoral.

 

Assim, o fato do impugnado ter dito suas contas rejeitas pelo Tribunal de Contas da União e do Estado do Tocantins não é causa de julgar indeferido o seu pedido de registro de candidatura. 

 

Em que pese as argumentações quanto a Tomada de Contas Especial perante o TCU apresentar-se com procedimentos diferenciados e que isso justificaria sua consideração como apta e autônoma para gerar inelegibilidade, salienta-se que seus fundamentos são infraconstitucionais, portanto, submetem-se hierarquicamente aos comandos constitucionais, para fins da aferição da inelegibilidade.

 

Por fim, como bem ponderou o Min. Lewandowski, se por um lado essa decisão do STF que define a Câmara de Vereadores como órgão competente para rejeitar as contas consolidadas e de gestão de prefeito para fins de aferição da inelegibilidade, de outro, em nada alterou o aspecto que as decisões dos Tribunais de Contas permanecerão gerando os efeitos de responsabilização dos prefeitos para fins penais e de improbidade administrativa.

  

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