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Crenças limitantes, desonestidade intelectual e oportunismo eleitoral na Câmara

Discurso feito pelo vereador Filipe Martins na última sessão da Câmara de Palmas foi carregado de homofobia, Fake News e manipulação de temas que deveriam ser debatidos com seriedade

Vereador Filipe Martins (PSDB).
Descrição: Vereador Filipe Martins (PSDB). Crédito: Aline Batista

É cada dia mais estreito o caminho que separa crenças limitantes e bandeiras conservadoras da desonestidade intelectual e da prática de crime – disseminação de falsas notícias – em discursos que a presente legislatura da Câmara de Palmas tem produzido.

 

O destaque do começo da semana – discurso do vereador Filipe Martins, da bancada evangélica e da base da prefeita Cinthia Ribeiro, do PSDB – é daquelas coisas esdrúxulas que volta e meia o parlamentar faz para justificar os votos do público conservador. E que seria legítimo, se não fosse carregado de preconceito danoso à sociedade, distorção dos fatos, numa manipulação de temas sensíveis à boa parte da população que teme, de alguma forma, o que desconhece e a assusta.

 

O fato é que, se fosse um ignorante, vindo de um berço onde tivesse lhe faltado a educação básica, seria admissível pensar que Filipinho faz essa linha por desconhecimento. Mas não é. Bem formado, filho do ex-deputado federal Pastor Amarildo – de longa e conhecida história, tanto na política quanto liderança da Igreja Assembleia de Deus no Tocantins –, o vereador não pode dizer que ignora a gravidade e o alcance das coisas que diz.

 

De onde tirou, por exemplo, que a homossexualidade é porta aberta para a pedofilia? De nenhum livro, de nenhum tratado ou pesquisa. Se louco fosse – o que não é –, eu diria que das “vozes na sua cabeça”.

 

Uma – a homossexualidade e não homossexualismo – é um traço do comportamento humano presente na história da humanidade há séculos. Relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo passaram a ser respeitados e aceitos nas maiores democracias do mundo, como um direito individual, assunto de âmbito privado, no qual o Estado não deve ter interferência.

 

A defesa desse direito, inclusive, está no artigo 2º do Estatuto do PSDB, que certamente o vereador deve ter lido ao se filiar e disputar eleições pelo partido que traz a social democracia no nome. E nos princípios que defende.

 

A outra – pedofilia – é um crime que ainda carece de tipificação no código penal e é definido como o uso/prática/satisfação sexual, através de atos contra a intimidade de crianças e adolescentes, cometido contra vítimas de ambos os sexos. Adultos que abusam de crianças sexualmente têm sido punidos em artigos diversos do Código Penal, enquanto projeto de lei que aborda este assunto tramita do legislativo da União.

 

O projeto de lei, inclusive, é de uma deputada do PT do Piauí, Rejane Dias. O governo do PT, alvo preferencial de bolsonaristas como Filipe Martins, começou a implantar banheiros unissex, para que travestis e transexuais tivessem opção e pudessem evitar o uso de banheiros exclusivamente femininos ou masculinos. Assim não constrangem, nem são constrangidos. O que o vereador faz no seu discurso raso? Afirma que os banheiros unissex vieram para expor as famílias, deixar “mães à mercê de estupradores”. É uma distorção mal intencionada, de uma desonestidade intelectual impressionante...

 

Discurso o afasta do PSDB

 

Ao admitirmos que Filipe Martins sabe exatamente o que diz e não ignora o efeito que seu discurso desonesto pode provocar o recrudescimento do ódio contra homossexuais e não apenas contra o PT, seu alvo, levanta-se outra questão: a de que o discurso extremista afasta o vereador do seu partido, que é comandado no Estado pela prefeita.

 

Tucanos de plumagem estranha, não só Filipe Martins, mas também Eudes Assis (bem mais moderado no tom) estão muito próximos do discurso do presidente Jair Bolsonaro e de sua base de apoio. Numa direção exatamente contrária ao PSDB Nacional, que tem pelo menos quatro presidenciáveis – entre os quais o governador Eduardo Leite, do RS, que assumiu sua orientação homoafetiva em entrevista recente – e da própria prefeita.

 

Cinthia Ribeiro, de perfil conservador também, é das que reza na cartilha do partido, respeitando direitos civis e as diversidades sexual e religiosa.

 

Oportunismo eleitoral

 

Daí levanta-se a lebre do oportunismo eleitoral. Terminada a eleição passada e a caminho de uma nova disputa eleitoral que já divide o país entre dois nomes favoritos, pelo menos 12 partidos – entre os quais o PSDB – buscam uma alternativa de centro à Lula e Bolsonaro.

 

O que estaria buscando Filipe Martins ao radicalizar no discurso? Forçar uma expulsão do partido e sair com o mandato? Ainda por cima como uma vítima que foi sacrificada na defesa da família e dos bons costumes?

 

É o que parece.

 

Imunidade parlamentar não deve ser aval para a prática de crimes

 

O problema é que discursos como o dele estão fazendo número, não só em Palmas, mas em Araguaína (onde um caso parecido aconteceu e virou manchete) e em outras cidades do Estado.

 

O mandato não pode ser um aval para que crimes sejam cometidos e incitados, em nome da liberdade de expressão. Esta é uma discussão necessária no poder judiciário. Filipe Martins e outros seguem desafiando a lógica, o bom senso, a humanidade (para não confrontá-los com seu cristianismo de ocasião) e também a lei. Uma vez que Fake News é crime em qualquer lugar, e não menos na tribuna da Câmara de Palmas.

 

Esta legislatura, que ainda busca seu rumo, que foi pouco produtiva no primeiro semestre do ano, que tem bons valores, precisa realmente dizer a que veio. Uma boa maneira é levar a sério a ética e o decoro que um parlamentar deve ter. No âmbito da União já existe o consenso de que as Fake News devem ser combatidas.

 

Aliás, é esse o X do problema entre a base bolsonarista e o STF.

 

No Tocantins e em Palmas, como se vê, não é diferente.

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