Sustentabilidade das comunidades indígenas é debatida pelo MPF

Previsão é de que os índios formem rebanho próprio em dez nos. Nas reunião, também foi debatido o respeito aos aspectos social, ambiental e econômico

Ministério Público Federal no Tocantins
Descrição: Ministério Público Federal no Tocantins Crédito: Lourenço Bonifácio

O procurador da República Álvaro Manzano participou nesta terça e quarta-feiras, 9 e 10, de reuniões nos municípios de Sandolândia e Formoso do Araguaia para debater, juntamente com representantes indígenas, a condução do projeto de bovinocultura na Ilha do Bananal.

As reuniões avaliaram a condução do projeto pelos índios, que em um prazo de dez anos devem ter alcançado sua sustentabilidade econômica com a formação de seus próprios rebanhos. Neste período, devem ser respeitados os aspectos social e ambiental, de forma que a criação de gado em parceria com não índios traga benefícios a toda a comunidade e não comprometa o meio ambiente da ilha. O projeto de bovinocultura foi implementado em setembro de 2009, com o limite de 20 mil cabeças de gado para cada uma das associações indígenas que coordenam o projeto. “Na audiência pública que debateu a implementação do projeto, todos foram informados que a situação jamais poderia voltar a ser como antes da desocupação, com a livre presença de não índios na criação dos rebanhos e o simples aluguel dos pastos”, salientou o procurador.

O projeto de bovinocultura é conduzido pela Associação Barreira Branca com as aldeias Waritaxi, Mirindiba, Barra do Rio Verde e Barreira Branca. O Conselho das Aldeias Javaé da Ilha do Bananal (Conjaba) conduz o projeto nas aldeias São João, Cachoeirinha, Canoanã, Txwiri, Imoty, Wari-wari e Boa Esperança. Todas as aldeias são da etnia javaé.

Cleiton Javaé, presidente do Conjaba, ressaltou que a criação de gado na ilha é um projeto delicado que necessita do empenho de criadores e índios, de forma que a parceria alcance seu objetivo. “Uma das características do projeto é a criação extensiva nas pastagens naturais da ilha, aspecto que não admite a construção de cercas, por exemplo”. O presidente do Sindicato Rural de Formoso do Araguaia, Eurípedes Costa, ressaltou a importância do respeito ao acordo. “Este projeto que beneficia a todos só foi possível graças ao empenho do Ministério Público Federal. Se não for respeitado, podemos perder este apoio do MPF e consequentemente o direito a criar o gado em parceria com os índios”, explicou.

O representante da Adapec salientou que a vacinação do gado indígena obteve um índice muito satisfatório de prevenção a doenças como febre aftosa e brucelose, com a doação de vacinas pelo governo do estado, e recomendou que a guia de trânsito de animais (GTA) seja sempre utilizada na entrada e saída do gado, para garantir a imunização.

 

Irregularidades

Durante fiscalização realizada pela Funai, com participação da Companhia Independente de Polícia Rodoviária e Ambiental (Cipra), do Naturatins e do Ibama,  no período do feriado de Sete de Setembro, foram detectados problemas como desmatamento, retirada de madeira, caravanas de pesca ilegal, construção de cercas e entrada de bebida alcoólica. Georton Brito, da Coordenação Técnica Local da Funai em Gurupi, exibiu imagens de carcaças de pirarucu, carros com placas de diversas localidades, animais mortos, desmatamento, fogo fora de controle e outras consequências da entrada descontrolada de não índios na ilha. “A maior parte destas pessoas possui autorizações informais dos caciques e lideranças. Mas uma vez dentro da ilha, não há controle sobre as atividades desses grupos, como por exemplo a quantidade de pescado retirada dos rios e lagos”, disse.

Tenente Neto, da Cipra, apontou a responsabilidade da Polícia Militar em agir diante de situações de crime. Durante a fiscalização, foram constatados veículos sem documentação obrigatória, pessoas sem os documentos pessoais, posse de armas de fogo, motosserras sem licença e pesca ilegal. Segundo o policial militar, a Ilha do Bananal pode estar servindo como destino de veículos roubados ou adquiridos no sistema Finam. “Nas próximas ações na ilha, iremos cobrar a legalidade para trânsito de veículos. Serão feitas autuações e apreensões, pois do contrário estaremos prevaricando nossas atribuições”, disse. A respeito da ação da PM na terra indígena, o procurador explicou que os índios têm o direito de praticar suas atividades tradicionais (como caça e pesca), mas quando estão desenvolvendo outras práticas devem respeitar a legislação. Recomendou ainda que a PM não ingresse no interior do território indígena sem estar acompanhada pela Funai.

Ecoturismo

Wilma Lúcia, do Naturatins, abordou a necessidade de organizar e padronizar as atividades de ecoturismo na Ilha do Bananal, o que traria benefícios não somente para os indígenas, mas também para os municípios da região. “Os índios devem valorizar a terra da qual têm a posse e o seu trabalho como guias. Quem pratica o ecoturismo deve seguir para a Ilha do Bananal sabendo dos custos de sua atividade”, disse. Indígenas presentes ao debate salientaram a necessidade de capacitação dos índios para controle do turismo, atualmente feito informalmente. O ecoturismo é considerado uma forma de geração de renda para as comunidades, mas da forma como tem sido feito, traz prejuízos ao meio ambiente, aos recursos naturais de posse dos índios e não beneficia a todos os integrantes das comunidades.

Aplicação dos recursos

A compra de animais para formação de rebanhos próprios dos índios no prazo de dez anos, de forma a não depender de criadores não índios para a geração de renda e prover a sustentabilidade econômica das aldeias, não foi notado como prioridade das comunidades. Foram citados como aplicação dos recursos oriundos da parceria com os criadores não índios o apoio aos indígenas que estudam fora da ilha, compra de equipamentos como roçadeira, motosserra, motor para captação de água, custeio de cirurgia particular no olho de uma indígena no valor de R$ 4.200, pagamento de funcionários que realizam as fiscalizações, transporte de pessoas para as cidades vizinhas (parturientes e aposentados), compra de uniformes e escolinha de futebol para crianças e organização de festas tradicionais. Quatro aldeias citaram a aquisição de animais, mas em quantidades consideradas pequenas.

Encaminhamentos

As propostas de construção de benfeitorias e utilização de tratores no interior da ilha devem ser encaminhadas à Funai e ao MPF para análise e avaliação. Caso autorizadas, devem ter execução acompanhada pelo órgão indigenista. Será criado um grupo técnico com o objetivo de organizar e padronizar as atividades de ecoturismo. Será verificado pelo MPF junto ao Ibama a viabilidade de atuação no interior da Ilha do Bananal da equipe do Prevfogo, sediada em São Miguel do Araguaia (GO). Nova reunião será realizada em março de 2013 para nova avaliação e debate de um plano de aplicação dos recursos que priorize a formação de rebanhos dos índios.

 

Manutenção da cultura

Manzano salientou a necessidade dos índios se empenharem na condução do projeto e não apenas usufruírem dos recursos obtidos vivendo na cidade. Desta forma, corre-se grande risco de perda da cultura indígena, da língua e atividades tradicionais.

(Da assessoria do MPF)

 

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