A Covid-19 e a falência do Estado Mínimo

A pandemia de Covid-19, além de mudar rotinas da população, determinar o isolamento, convida a todos a uma inafastável e inadiável reflexão sobre os limites da intervenção do Estado na economia.

A pandemia de COVID-19, além de mudar rotinas da população mundial, determinar o isolamento, a relativização de alguns direitos fundamentais e exigir suporte da economia aos mais necessitados, pressionando lideranças mundiais a prover assistencialismo até mesmo onde ele é encarado como uma prática nociva ou um verdadeiro pecado da gestão pública em tempos de recrudescimento dos ideais liberais, convida a todos a uma inafastável e inadiável reflexão sobre os limites da intervenção do Estado na economia e a manutenção de um núcleo essencial de direitos sociais que merece a atenção dos mais modernos líderes ao redor do planeta.

 

O cenário pré-pandêmico retratava o fortalecimento do movimento liberal e a ascensão de líderes da direita, ganhavam força as discussões em torno da implementação do Estado Mínimo, qual seja, aquele que, em tamanho reduzido, deve funcionar para manter bens públicos que auxiliam o bom funcionamento dos mercados, sem intervir sobre estes diretamente.

 

A ânsia pela implantação do Estado mínimo brasileiro em contradição com os ideais sócio-democratas expressados em nossa Constituição, repleta de garantias fundamentais previstas em cláusulas pétreas, a maioria cristalizando direitos e conquistas sociais, custou, ao longo dos últimos 30 anos, a redução dos gastos públicos com saúde, educação e previdência social.

 

Por ironia do destino, quando aumentavam os rumores acerca da privatização do SUS e apenas três anos após a aprovação da EC 95, que congela os gastos públicos com saúde pelos próximos 20 anos, situação que, numa projeção conservadora do crescimento do PIB, pode retirar entre 200 e 400 bilhões de Reais do custeio do Sistema Único de Saúde, é que vem a pandemia de COVID-19 e o risco de que o País aprenda uma dura lição por negligenciar e subfinanciar a saúde pública brasileira, garantidora de acesso universal a todos que dela necessitaram desde a promulgação da Constituição de 88.

 

Se a manutenção da saúde pública garante espaços e aparelhos pouco utilizados ou utilizados de forma ociosa em algumas localidades, num conceito que gera ojeriza aos homens de mercado que entendem a referida situação como sinônimo de desperdício, foi justamente esta retaguarda garantida minimamente por uma estrutura pública, herança do Estado de Bem-Estar social que viveram países como a Alemanha, a Nova Zelândia, a Dinamarca e Singapura que garantiram a eles um enfrentamento mais brando à pandemia com resultados menos macabros do que aqueles países que pouco ou nada se importaram em manter garantias de bem estar social como a de ser assistido pela saúde pública.

 

Pouco importa, nesse cenário, a caracterização dos referidos países como desenvolvidos frente a situação de países em desenvolvimento porque se a busca pelo Estado mínimo significou para aqueles, o fim do Estado de bem-estar social, para os países em desenvolvimento, o que tem se verificado é o agravamento do quadro social, com acentuados reflexos sobre as fraturas sociais de desigualdades entre extremos de pobreza para a maioria e riqueza para um reduzido número de pessoas.

 

A diminuição do estado no Brasil agride a própria realidade, porque se discute a implantação do Estado mínimo quando não há o mínimo de Estado necessário a garantir o desenvolvimento sustentável de sua população.

 

Neste contexto de crise gerado por uma inesperada pandemia, revela-se a importância de países garantirem ao menos a cobertura universal gratuita pelos sistemas de saúde nacionais e a implantação de renda básica emergencial porque não há melhor resposta a uma potencial catástrofe econômica e social do que colocar as finanças a serviço dos direitos humanos, apoiando aos menos favorecidos para evitar ou mitigar o potencial devastador de um acontecimento como o atual.

 

Se é utópica a manutenção de um Estado de Bem-Estar Social dado ao elevado custo da intervenção na economia e do complexo de garantias sociais, o Estado mínimo também não satisfaz a vida em sociedade sem que sejam resguardadas garantias sociais mínimas que socorram aos mais necessitados, provejam equilíbrio no acesso a oportunidades e o desenvolvimento sustentável. O Estado tem mais que uma mera faculdade, mas um verdadeiro dever de intervir sobre essa realidade.

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