Abolição: uma história mal contada e a segregação

A Lei Áurea pôs fim legal a uma instituição servil, mas não à escravidão.

Crédito: Agência Brasil/Valter Campanato

No dia 13 de maio de 1888 fizeram de mim um ser totalmente livre. A partir de então meus filhos não seriam mais escravizados. Eu estava liberta para me relacionar, ter um trabalho remunerado, gerir as minhas ações, viver com o mínimo de dignidade e ser finalmente dona da minha vida.

 

Tudo isso só aconteceu graças à princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, a salvadora da Pátria, que em um ato heroico tornou todos os homens livres. E a partir daí perpetua um floreio inverídico contado nos livros de História do Brasil que infelizmente cresci ouvindo.  Este que é um marco para o País trata-se de um evento muito mais complexo, de uma luta secular e de muita resistência por àqueles que eram escravizados.

 

O Brasil foi o último país da América Latina a decretar o fim da escravatura. Em 1850 o tráfico de negros foi suspenso. Já existia no País leis como do Ventre Livre, dos Sexagenários e inúmeros movimentos abolicionistas. O Ceará, em 1884 baniu a escravatura do seu Estado. A abolição Nacional era uma questão de tempo, pouco tempo.

 

Anos mais tarde tive oportunidade de conhecer uma versão mais convincente da História. A Lei Áurea pôs fim legal a uma instituição servil, mas não à escravidão.

 

Me libertaram mas eu não sabia assinar meu nome. Nasci mulher, de cor e hoje, sem moradia, sem trabalho, sem direitos, sem saber para onde ir sinto na pele a desigualdade. Mas não serei chamada de escrava, pois carrego a alforria nas mãos.

 

A Lei que foi aprovada em tempo recorde e traz apenas dois artigos libertou milhões de pessoas sem se preocupar, em momento algum, com o futuro delas. Os europeus foram importados, passaram a ser a mão de obra barata, e os negros marginalizados seguiram libertos, sem trabalho, sem casa, sem qualificação.

 

Seja bem-vindo aos quilombos, as favelas, à segregação, à exploração, a uma nova forma de escravidão. É triste ver a história ser floreada, maquiada. Mas continuamos na luta pela conscientização, para mudar essa realidade e fazer com que sejamos de fato livres. A desigualdade no Brasil tem cor. A cada dez brasileiros, nove são negros. De cada dez brasileiros presos, oito são negros. A cada dez brasileiros na universidade, sete são brancos. É Isabel o seu gesto me abandonou a própria sorte.

 

Thaís Souza é jornalista, especialista em Docência do Ensino Superior e trabalha com assessoria.

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