Brasileiro homofóbico sai do armário e levanta bandeira do preconceito

Em artigo de opinião, o jornalista comenta a repercussão da cena do beijo entre duas atrizes no primeiro capítulo da novela global. Para ele, brasileiro volta a levantar a bandeira do preconceito

Beijo marca 1º capítulo da novela Babilônia
Descrição: Beijo marca 1º capítulo da novela Babilônia Crédito: Divulgação

Nos últimos anos, o assunto homossexualidade tem estado em permanente discussão. Diante disso, eu não tinha noção de como está, atualmente, a mentalidade do brasileiro médio em relação ao tema. Porém, a repercussão do beijo protagonizado por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg no primeiro capítulo da telenovela “Babilônia” serviu para estabelecer um parâmetro: apesar das discussões, evoluímos muito pouco. Afinal, muitos que ainda tinham reservas em mostrar seu conservadorismo decidiram mostrar a cara e empunhar a bandeira do preconceito.

 

Tamanha repercussão, em que se destacam manifestos de repúdio à emissora e de boicote à novela, deve ser analisada considerando todo o contexto comportamental da cena. Não apenas o fato de se tratar de um beijo entre duas mulheres, veiculado no horário de maior audiência da televisão brasileira.

 

Certamente, o que mais incomodou a parcela conservadora dos telespectadores foi o caráter de afeto e cumplicidade entre as personagens. O beijo, conforme o diálogo que o antecedeu, tratou-se de um gesto de reconhecimento aos anos de convivência e companheirismo entre as duas mulheres. Um beijo contextualizado em uma história de amor. E isso, para o homofóbico, soa como uma agressão.

 

Para o preconceituoso, é aceitável (e até confortável) que homossexuais sejam retratados apenas em situações que eles considerem engraçadas ou ridículas. Historicamente, nunca houve reclamação quanto à forma como os gays eram apresentados em programas de humor, em telenovelas e até em atrações infantis, justamente porque as abordagens eram sempre caricatas ou “afetadas”. Quem não se lembra também dos transformistas que apresentavam números de dança no melhor horário da programação dominical comandada por Sílvio Santos ao longo da década de 80, para o deleite das famílias? O mesmo se aplica às piadas de “bichinhas”, contadas por anos a fio em programas de auditório da TV por Ary Toledo e Costinha, mostrando o gay apenas sob duas facetas: ou engraçado ou promíscuo. O público adorava! Afinal, quando o homossexual é visto sob um padrão de comportamento muito díspar do seu, o homofóbico se sente distante e seguro. A igualdade é que incomoda.

 

Esse incômodo teve início quando as novelas começaram a retratar gays vivendo e se portando de forma semelhante às demais pessoas. Mostrando que podem ter bons empregos e, principalmente, podem amar e vivenciar relações duradouras, constituindo família. O incômodo começou quando os gays foram retratados de forma humanizada e com dignidade. Repito: isso, para o homofóbico, soou como uma agressão.

 

A primeira novela global a trazer essa nova abordagem foi “Torre de Babel” (1998), que tinha um casal lésbico formado por mulheres bonitas, femininas e bem sucedidas profissionalmente, interpretado por Sílvia Pfeiffer e Christiane Torloni. O público rejeitou a inovação. As personagens tiveram que ser mortas. Numa inversão de valores, preferiu-se a morte ao amor.

 

O preconceituoso, qualquer que seja o seu tipo de preconceito, gosta de subjugar o próximo justamente para se colocar em posição de superioridade. Mostrar-lhes que o alvo de seu escárnio não é inferior a ele gera inconformismo, manifestado sob as formas de revolta e repúdio, conforme estamos vendo agora.

 

Mas, como se mostrar contrário a essa abordagem positivista sem assumir publicamente uma postura retrógrada, de preconceito e de opressão, com relação aos homossexuais? A forma encontrada foi dissimular uma postura de proteção “à família” - como se apenas o formato tradicional, integrado por um homem, uma mulher e um ou mais filhos, pudesse ser caracterizado como família. Hoje, há inúmeras outras configurações, resultantes do estabelecimento do divórcio e da sua posterior facilitação, da produção independente, do casamento entre pessoas do mesmo sexo e de outras variáveis. A sociedade mudou e, consequentemente, o formato de família se diversificou, fazendo-se reconhecer pelo Estado e pela Justiça.

 

Porém, ainda assim, vir a público defender a “família” pode até soar nobre. Uma leitura superficial, feita ao critério de conveniências, deixa passar despercebida toda a carga negativa de opressão do próximo, relacionada à negação da sua igualdade e ao não reconhecimento de seus direitos.

 

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