Creche Arco-Íris: para além do vexame existe a intolerância

Flávio Herculano é jornalista e servidor público do MPE-TO
Descrição: Flávio Herculano é jornalista e servidor público do MPE-TO Crédito: Divulgação

Em tempos de redes sociais, a polêmica de três dias atrás, sobre a mudança do nome da Creche Arco-Íris por motivo de homofobia, já é pauta superada. Mas penso que ainda vale algumas reflexões acerca do assunto.

 

A lição que fica é de que a intolerância é força superior à racionalidade humana, sendo capaz de anular todo o senso crítico e levar a atitudes como a proposição do referido projeto de lei, que expôs a Câmara de Vereadores à ridicularização e gerou repercussão negativa para a prefeita que sancionou o projeto e para a própria cidade de Palmas, exposta à chacota em nível nacional. Nenhum internauta ficou indiferente ao argumento de que a imagem do arco-íris promove a homossexualidade.

 

Porém, a intolerância que leva a atitudes meramente ridículas também conduz a ações extremistas efetivamente danosas. Nas casas legislativas, por fanatismo religioso ou por oportunismo dos parlamentares, têm sido cada vez mais frequente o cerceamento às ações que têm por finalidade promover a igualdade de direitos para o cidadão LGBT e difundir o diálogo social de combate à homofobia. 



Em Palmas, a pauta da intolerância não é novidade no plenário do Legislativo. Infelizmente, as iniciativas de cerceamento anteriores, algumas até mais graves, ganharam repercussão muito menor, por não terem o teor hilário da lei que renega o arco-íris. 

 

Frise-se, Palmas é território propenso à germinação dessas iniciativas. Aqui, poder público e (algumas) igrejas vivem uma permanente relação de proximidade que afronta o princípio constitucional do Estado Laico, a ponto de ter sido necessário que Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Defensoria Pública Estadual (DPE) interviessem, em ocasiões diferentes, alertando a Prefeitura em razão de práticas que desrespeitam a diversidade religiosa. Tornou-se rotina o uso de dinheiro público para a promoção de símbolos e de eventos religiosos, mas apenas dos credos que são escolhidas a dedo pelos gestores, como se fossem prioritários e merecedores, enquanto os demais seguem ignorados. 

 

Na capital tocantinense, até aquela jocosa e interiorana cena de entrega da chave da cidade chegou a acontecer recentemente, em momento que visou angariar a simpatia (exclusivamente) de pastores.

 

Neste cenário de estranho entrosamento da gestão pública com as igrejas, é previsível que, também no Poder Legislativo, a Constituição Federal seja esquecida, a cidadania seja retirada de pauta e os dogmas religiosos passem a ditar as deliberações.

 

Estamos assistindo os valores referentes às doutrinas pessoais de parlamentares serem impostos a todas as camadas da sociedade, na forma de leis. Como agravante, valores de pessoas que geralmente são pouco espiritualizadas, além de também pouco preparadas para os cargos legislativos.

 

Sim, contribui para as ações vexatórias e intolerantes a baixa qualidade do Poder Legislativo. Segundo levantamento publicado na revista Exame, 85% dos projetos aprovados pelos vereadores de Palmas são inúteis para a população. Dado que comprova que é muito mais prático proferir discursos apelativos e apresentar projetos midiáticos do que cumprir o papel constitucional de fiscalizar a aplicação do orçamento, fiscalizar a execução das políticas públicas e elaborar projetos que tenham real impacto positivo na vida da cidade.

 

Isso explica também porque, recentemente, alguns vereadores armaram um verdadeiro circo contra projeto que percorria as escolas públicas, falando aos adolescentes sobre educação sexual, gravidez precoce, suicídio e bullying. Uma lástima, uma vergonha e um desserviço à população, especialmente se considerado que Palmas vivia um surto de sífilis e era a segunda capital com maior incidência de HPV, segundo informações do Ministério da Saúde.

 

Os parlamentares devem calcular que compensa adotar iniciativas midiáticas que sejam vexatórias e danosas à comunidade. Sabem que serão expostos à ridicularização por parte expressiva da comunidade, mas que agradarão uma parcela cativa de eleitores pouco instruídos.

 

Flávio Herculano é jornalista e servidor público no Ministério Público Estadual (MPE-TO).

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