Descontos nas parcelas escolares – um mau negócio para a educação

A Lei nº 3.682/2020, sancionada pelo Governador Mauro Carlesse, dispõe sobre a redução das mensalidades da rede privada de ensino durante, e após 30 dias, a vigência do estado de calamidade decretado

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O Governador sancionou a Lei nº 3.682/2020, aprovada pela Assembleia Legislativa a partir de projeto apresentado pelo Deputado Vilmar, que dispõe sobre a redução das mensalidades da rede privada de ensino durante, e após 30 dias, a vigência do estado de calamidade decretado pelo Governo do Tocantins, em decorrência da pandemia causada pelo COVID-19.

 

A proposição dos parlamentares, tornada lei pelo Governador, intenciona assegurar aos estudantes, e àqueles que custeiam seus estudos, condições mais vantajosas de pagamento de suas obrigações contratuais, ao fundamento de que os estabelecimentos de ensino tiveram seus custos de manutenção reduzidos em razão da suspensão das atividades presenciais.

 

Porém, os legisladores tocantinenses não discutiram a questão suficientemente com a sociedade, não promoveram audiência pública, nem estudos aprofundados, para alcançar a presunção de que as instituições privadas de ensino teriam seus custos restringidos pela interrupção momentânea das aulas presenciais.

 

Desconsideraram, obviamente, que as maiores despesas de uma escola ou universidade se concentram na folha de pagamento, tanto no que aduz à remuneração dos professores e demais profissionais colaboradores, como nos correlatos tributos e encargos previdenciários, que não foram e não serão minorados, senão em prejuízo da manutenção de empregos e de salários.

 

Certamente os parlamentares ignoraram os impactantes investimentos em tecnologia e equipamentos para a produção de aulas on-line – que asseguram a manutenção do ensino remotamente – igualam, quando não se sobrepõem às reduções nas tarifas de energia e água.

 

Todo político, ao menos durante a campanha eleitoral, empunha a bandeira da educação e brada o discurso de valorização dos professores, mas, ao editarem a Lei nº 3.682/2020, o Executivo e o Legislativo tocantinenses colocaram em risco os empregos e salários dos professores, a continuidade e qualidade do ensino, quando não a própria existência das escolas e das faculdades privadas.

 

De nada servirá ao aluno obter descontos agora, e não ter, ao fim da crise de saúde pública, uma instituição de ensino apta a recebê-lo para continuidade do curso, já que diversos estabelecimentos de ensino são sociedades empresariais de pequeno porte, que operam com baixa margem de lucro e sem capital de giro suficiente para suportar a abrupta redução no faturamento bruto. Vale dizer que o cenário se torna ainda mais sombrio quando considerada a vasta inadimplência enfrentada pelos colégios e faculdades.

 

Além de ser fundamentada em ilações que não se sustentam, pois a legislação comentada viola preceitos constitucionais. A lei adota premissas fáticas e jurídicas equivocadas, havendo a Assembleia legislado sobre matéria que não está sob sua competência, incorrendo em flagrantes inconstitucionalidades.

 

Afinal, compete exclusivamente à União legislar a regulamentação das obrigações contratuais civis, nos termos do artigo 22 inciso I da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal já tratou da questão em outro momento, havendo declarado “inconstitucional norma do Estado ou do Distrito Federal sobre obrigações ou outros aspectos típicos de contratos de prestação de serviços escolares ou educacionais”.

 

No mesmo sentido, a Procuradoria-Geral da República, em parecer apresentado à Suprema Corte, aduziu que “a competência legislativa concorrente em matéria de defesa do consumidor (CF, art. 24, V e VIII) não autoriza os Estados-membros a editarem normas acerca de relações contratuais, uma vez que essa atribuição está inserida na competência da União para legislar sobre direito civil”.

 

A par da inconstitucionalidade formal, ressai também a impropriedade da lei sob o aspecto material, por ofender a livre iniciativa, vilipendiar o ato jurídico perfeito consubstanciado em contrato, destacando-se, também, os impactos negativos da regulação de preços no setor privado, e a violação ao princípio da proporcionalidade, haja vista que a suspensão das atividades não implica interrupção na prestação dos serviços educacionais oferecidos.

 

Embora se reconheça a boa intenção dos legisladores nesse momento de pandemia, fato é que o Estado deve intervir minimamente nas relações contratuais privadas, sob pena de vivermos numa constante insegurança jurídica. Se necessário algum reequilíbrio contratual, a questão pode e deve ser tratada pelas próprias partes contratantes.

 

Devemos ter em perspectiva que o Estado hoje sanciona uma lei obrigando a redução das parcelas escolares, e amanhã poderá sancionar outra norma intervindo nos valores das consultas médicas no âmbito da telemedicina, e assim por diante, em clara violação ao livre exercício das atividades econômicas.

 

Concluímos, portanto, que a crise pandêmica tem notórios impactos econômicos, que afetam inclusive o segmento educacional, mas o remédio ministrado pela Assembleia Legislativa, com a benção do Governo do Estado, não é apto a resolver o problema, podendo ainda eventualmente ser extremamente nocivo às instituições de ensino, as quais podem não sobreviver, e aos seus alunos, que podem não ter onde prosseguir seus estudos.

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