Doar Sangue: "um gesto de amor" que se esbarra no preconceito

No artigo de opinião a autora critica os critérios para ser declarado apto ou não para doar sangue

O dia nacional do doador voluntário de sangue é comemorado desde a década de 60, em 25 de novembro. Na última semana as unidades de saúde e hemocentros concentraram suas ações em agradecimento a milhares de pessoas que com um gesto simples, mas de imensa importância salvam vidas. Em contrapartida, as campanhas incentivam ainda possíveis doadores a tal ação.

 

Aí está um gesto que há anos eu busco fazer, mas faço parte de um grupo de pessoas que são consideradas com comportamentos de risco. Por sua vez, os hemocentros de todo o País utilizam o slogan: "doar sangue um gesto de amor". Essa frase, nos últimos dias me levou a um turbilhão de pensamentos. São perguntas que por mais que obtive as respostas não conseguiram me convencer.

 

Quando completei os 18 anos, há muito tempo, vieram às tatuagens, cirurgias, e uma série de ações que me barram. No fundo sempre quis usar o argumento que não tenho peso suficiente, mas nunca deu certo. Daí resolvi questionar por que não posso ter um gesto de amor, se mesmo com aquela triagem "onde fui reprovada por dizer a verdade", eles coletam o sangue e fazem uma série de exames?

 

O Ministério da Saúde não se responsabiliza pela eficiência? A justificativa é que o vírus demora a se manifestar. Quer dizer que aquela mãe de família, que contraiu o vírus na semana passada e não sabe está apta? Por mais que me digam o contrário tenho consciência dos meus atos e por conhecê-los, me considero uma doadora em potencial!

 

Ao questionar o Ministério da Saúde sobre os critérios de doação recebi a justificativa de que esse processo sai caro, não é viável, e por uma questão de segurança trabalham com o mínimo de suposições! E uma bolsa de sangue passa a ter preço? Li que o Brasil é um dos países mais eficazes na coleta, acho até legal, vai que um dia eu precise, mas ao mesmo tempo, me dá uma preguiça de tudo isso.

 

Eu saio de casa e me deparo com inúmeros casais homossexuais, eles também fazem parte do tal grupo de risco. Mas a mulher casada, que tem relações sexuais sem o uso de preservativo com o esposo, e é traída, ela pode. Ela só tem um parceiro! As prostitutas também não, (apesar da prostituição ainda não ser uma profissão legalizada no Brasil, todos nós sabemos que ela existe) por mais que se previnam. É preciso ter no máximo quatro parceiros ao ano, para que se enquadre nos padrões preestabelecidos pela Saúde.

 

Apesar da falta de nexo das minhas ideias, certamente pela revolta e indignação ao discorrer sobre alguns assuntos, me resta apenas acreditar que os gestores enquanto representantes dos Órgãos devem reavaliar os critérios. Caso contrário, o número de doadores aptos, lamentavelmente, será cada vez menor. É só dar uma olhada ao redor e ver o caminhar da sociedade.

 

Os que saem de suas casas merecem uma atenção. Não levariam a vida de qualquer forma e por má fé se dêem o trabalho de prejudicar o próximo.

 

Enfim,

enquanto a sociedade continua com essa e tantas outras políticas que "eu discordo", a vida segue, as pessoas morrem, o hemocentro precisa de sangue. E eu continuo aqui, trabalhando, estudando, fazendo “tatoos”, cirurgias e tantas outras coisas que não me permitem sair deste tal grupo de comportamento de risco, que não vejo problema algum em pertencer, mas estão desvalorizando o meu possível gesto de amor.

 

 

Thaís Souza é jornalista, assessora de comunicação, especialista em Docência do Ensino Superior.

 

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