Eleições é o momento de revisitar memórias e reconstruir discursos

Crédito: Divulgação

As eleições no Brasil não são apenas "a festa da democracia", como falado aos quatro cantos, como também um momento onde nossas memórias como população são revisitadas e recriadas. É o momento onde os estrategistas políticos e os profissionais de comunicação tomam emprestado o que o povo ouviu, assistiu, leu e até mesmo falou para tornar as comunicações das candidaturas mais claras e, então, possivelmente mais exitosas. É um trabalho árduo, e gostaria de pedir licença ao leitor para compartilhar o que aprendi em meus quase 20 anos trabalhando com comunicação político-partidária.

 

O uso do que está na boca e nos corações dos eleitores cobra aos profissionais de comunicação não apenas talento, mas principalmente esforço e cuidado. É bom evitar compreender visões de mundo tão diversas baseado somente no que vemos aí. O correto seria nos preocuparmos um pouco menos em termos respostas claras sobre o que o eleitor pensa ou quer, para nos debruçarmos nas referências que inconscientemente estes usam para interpretar o mundo. É o que usamos para construir nossas opiniões sobre o presente e o futuro, é sobre nossas memórias.

 

Aí, caso me permita um breve desvio, preciso compartilhar o que aprendi sobre isso. Quando estava concluindo meu mestrado em comunicação, estive à frente de uma pesquisa sobre a tendência (à época) de mudança de nomes entre partidos políticos brasileiros. E o que conclui foi: todas as mudanças propostas pelos partidos em suas marcas e comunicação eram baseadas em comunicações anteriores. E quando falamos em eleições, isso não é diferente: não havia Collor sem Jânio, não há Ciro sem Juscelino, ou Lula sem Getúlio.

 

Explico-me: não há comunicação tão criativa ou inovadora que não tem seu embrião cultivado anos, ou mesmo séculos, antes. O "caçador de Marajá" de Collor, na primeira eleição direta pós reabertura democrática, conversa com o "... varre vassourinha... varre a roubalheira" de Jânio nos anos 60 e, pensando na ideia do escolhido que vem para acabar com a corrupção, acena ao Sérgio Moro na pós Operação Lava-Jato. O Ciro não está propondo "50 anos em 5" como o Juscelino dos anos 50, mas escreveu um livro com ideias desenvolvimentista não vistas desde o governo do criador de Brasília. O Lula, proclamado "papai Lula" por seus apoiadores, bebe da história do Getúlio "pais dos pobres".

 

Há centenas de exemplos que poderíamos listar aqui, entre grandes campanhas para presidentes até candidaturas às câmaras municipais. Em comum entre aquelas que dão certo estão a capacidade de entender as motivações dos eleitores à época do pleito, o esforço para elencar quais soluções de sucesso foram dadas em outros momentos similares, e o talento para fazer tudo isso parecer novidade. O primeiro domingo de outubro está próximo, é tempo para as candidaturas revisitarem memórias e recriarem discursos.

 

___

Paulo Petitinga é mestre em comunicacão pela Universidade Católica de Brasília. Em quase 20 anos de experiência, trabalhou coordenando campanhas como Eduardo Campos/Marina Silva para presidente, em 2014; Irajá para senador do Tocantins, em 2018; e recentemente Sidney Coles e Jill Andrews para congresso canadense, em 2020 e 2021, respectivamente.

Comentários (0)