Lula é uma ideia

A prisão de Lula, como já escrevi aqui no T1, é um desejo apenas de uma parte da classe média que aplaude juiz como herói. Essa mesma parte da classe média finge ser contra a corrupção, todavia jamais fez algum movimento contra os penduricalhos nos salários de membros do judiciário. A prisão de Lula é um desejo de quem tem uma indignação seletiva.

 

Comentaristas televisivos cospem fogo para dizer que a prisão inviabiliza uma candidatura de Lula no pleito deste ano. Há uma preocupação excessiva com o banimento da figura de Luís Inácio Lula da Silva. Parece que para uma parte da classe política (e econômica) deste país é melhor ir para uma eleição como se fosse um jogo de futebol, no qual o juiz estivesse a favor de um dos lados. Um jogo com cartas marcadas.

 

Mas a pressa sempre faz com que os detalhes se sobreponham ao esmero. O erro na prisão de Lula é no todo e não em parte. Por isso, além de ficar claro que a prisão é para tirar um concorrente da corrida eleitoral, a pressa em decretá-la impõe sua desfaçatez. A justiça não pode servir de palco para revanche, nem para vingança nem para aniquilamento. Um julgamento justo nesse caso atrasaria um pouco mais a sentença, porque respeitaria os prazos e os recursos, todos legítimos. Julgar rápido pode ser um mal juízo.

 

Um julgamento justo defenderia a justiça. É preciso lembrar que nós todos/as passaremos. Tanto os que defendem Lula quanto os que acusam. Por isso, a justiça tem de sair ilesa desse processo. A única coisa que deveria sobreviver a tudo isso seria a justiça. Lula será tornado numa metáfora, numa ideia, como ele próprio disse. Isso poderia até ser um discurso dele, uma retórica política. Agora toma ares de confirmação. Fazer justiça nem sempre é condenar.

 

Nesse momento, a prisão de Lula potencializa toda a sua retórica de perseguição justamente porque não resta a menor dúvida do apressamento de sua condenação. As pessoas sabem, lá no âmago de suas vidas, que mesmo se fosse culpado, o julgamento teve todos os indícios de condenação prévia. Isso macula a justiça. Isso põe em dúvida a imparcialidade do julgador.

 

No ato havido em São Bernardo do Campo – São Paulo, uma pequena amostra de como a história vive dando sinais sobre as reviravoltas da vida. A foto de Francisco Ramos,  estampada no New York Times, dá uma dimensão do que se transformou Lula: uma metáfora. Lula é mesmo uma ideia que nem mesmo ele própria tinha se dado conta. Quem o fez ser uma ideia foi o povo que nele votou. Todavia, quem potencializou em muito o resultado que o mitificou foi a justiça. A justiça brasileira elevou Lula a um patamar que nem mesmo os mais aguerridos membros do Partido dos Trabalhadores imaginariam.

 

Lula é uma ideia, é uma inspiração, Lula é uma liderança que, somente em termos de comparação, Fernando Henrique Cardosos, jamais foi e nem jamais será. É inimaginável ver FHC sendo carregado nos braços do povo, como mostra a foto memorável de Francisco Ramos. Se Lula é uma ideia, a prisão televisionada jamais vai parar a sua luta, jamais vai prender sua força. Luta tem o que nenhum de seus algozes jamais teve: a trajetória pobre, a origem de retirante. Só quem foi pobre sabe a importância que tem um prato de comida.

 

Lua jamais se fez de vítima, nem usou discurso de coitado. Tanto mais agora, que mesmo já envelhecido, com a voz bem mais desgastada, se agigantou ante o insulto contra ele posto com o nome de mandado de prisão. O golpe urdido em parte com a complacência de quem nunca teve fome, apresentou mais uma vez seu ponto mais fraco: mandar prender uma ideia.

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