Mulheres no poder e a geopolítica mundial

O autor faz uma reflexão sobre a assunção de mulheres à condição de chefes de Estado no mundo.

Professor Adão Francisco
Descrição: Professor Adão Francisco Crédito: Arquivo

Para as gerações que estão tendo a responsabilidade de fazer a história na transição do século XX para o XXI, pouca coisa do que tem acontecido como novidade é de fato percebida como um fato histórico. Mas basta uma consulta às lupas das ciências humanas e sociais sobre essa realidade para se perceber que ousadias de todas as ordens têm acontecido. Tomando o processo civilizatório como referência, diríamos que há ousadias progressistas e conservadoras, o que implicaria em avanços e recuos de concepções, ideologias, direitos e práticas humanitárias.

 

Na perspectiva dos direitos e das práticas humanitárias, e de sua relação com os valores democráticos, uma novidade importante desse período especialmente configurada no século XXI é a assunção de mulheres à condição de chefes de Estado. Nesse contexto, 20 mulheres assumiram o posto máximo em seus países, o que representa 10 por cento de países dirigidos por mulheres. Em princípio parece pouco, mas é preciso compreender as várias lutas por emancipação e autonomização feminina ao longo do século XX em todo o globo terrestre e a sua necessária coroação com direitos políticos e sociais (nem sempre conquistados) para se ter uma ideia do que esse valor representa.

 

As tensões, embates e conflitos, especialmente reforçados a partir das lutas libertárias da década de 1960, tenderam à garantia dos direitos reivindicados na Europa e na América de um modo geral (ocidente), enquanto que na Ásia, África, e Oceania (oriente) o movimento foi o contrário. Salvo raríssimas exceções, o dispositivo ideológico utilizado nestes para justificar a “repressão” ao que as mulheres lutavam para conquistar foi a religião. Por outro lado, as mudanças ocorridas no ocidente a partir das conquistas feministas refletiram desde o comportamento vestuário até a ocupação de postos executivos em grandes corporações, passando pela ressignificação sexual e pela reconfiguração familiar.

 

E mesmo que tudo isso represente muito, num mundo em que a família e, por antecedência, a mulher foram a primeira forma de propriedade privada, como observou Friedrich Engels na consagrada obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de 1884, há um espaço social que ainda não foi devidamente ocupado pelas mulheres: o poder de Estado. Por este, entenda-se aqui todos os espaços de poder político, executivos e legislativos, nacionais ou subnacionais. Isso nos remete à ideia de que o século XXI será ainda momento de tantas outras lutas emancipatórias da condição feminina.

 

De todo modo, o que o século XXI nos apresenta com relação ao poder máximo de chefe de Estado precisa ser geopoliticamente analisado.

 

MULHERES NA CONDIÇÃO DE CHEFES DE ESTADO NO MUNDO HOJE

NOME

PAÍS

REGIÃO

CONSERVADOR/

DIREITA/

LIBERAL

SOCIAL-DEMOCRATA

ESQUERDA/

CENTRO

ESQUERDA

Angela Merkel

Alemanha

Europa Central

X

 

 

Nicola Sturgeon

Escócia

Europa Central

 

 

X

Theresa May

Inglaterra

Europa Central

X

 

 

Marie L. C. Preca

Malta

Europa Central

 

X

 

Erna Solberg

Noruega

Norte Europeu

X

 

 

Atifete Jahjaga

Kosovo

Leste Europeu

 

 

 

Kolinda G.-Kitarovic

Croácia

Leste Europeu

X

 

 

Dalia Grybauskaite

Lituânia

Leste Europeu

X

 

 

Laimdota Straujuma

Letônia

Leste Europeu

 

 

 

Ellen J. Sirleaf

Libéria

África

X

 

 

Sheikh HasinaWajed

Bangladesh

Ásia

 

 

X

Michelle Bachelet

Chile

América do Sul

 

 

X

               

A tabela acima mostra as mulheres e os lugares onde elas ocupam o poder hoje. São 12 mulheres na condição de chefes de Estado, mas esse quadro poderia conter 14 mulheres, caso as presidentes Dilma Rousseff, do Brasil, e Park Geun-Hye, da Coréia do Sul, não tivessem sofrido em 2016 questionáveis processos de impedimento. Na tabela abaixo, as mulheres que deixaram recentemente o posto de chefe de Estado.

 

 

MULHERES QUE OCUPARAM O PODER DE CHEFE DE ESTADO ATÉ RECENTEMENTE

NOME

PAÍS

REGIÃO

CONSERVADOR/

DIREITA/

LIBERAL

SOCIAL-DEMOCRATA

ESQUERDA/

CENTRO

ESQUERDA

Dilma Rousseff

Brasil

América do Sul

 

 

X

 

Cristina Kirchner

Argentina

América do Sul

 

X

 

 

Portia S. Miller

Jamaica

América Central

 

 

X

 

Kamla P.-Bissessar

Trinidad e Tobago

América do Sul

 

 

X

 

Catherine Samba-Panza

República Centro-Africana

África

X

 

 

 

Helle T.-Schmidt

Dinamarca

Norte Europeu

 

X

 

 

Ewa Kopacz

Polônia

Leste Europeu

X

 

 

 

Park Geun-Hye

Coréia do Sul

Ásia Oriental

X

 

 

 

               

 

                Para melhor visualização espacial dessas atuações no globo, o mapa abaixo, produzido pela rede de notícias BBC é bastante ilustrativo.

Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150112_governos_mulheres_gch_cc.
Reportagem de 13/01/2015, acessada no dia 14/03/2017.

 

O que se verifica nessas informações? O primeiro destaque é para a disposição espacial dos governos dirigidos por mulheres. Partindo do velho continente, tivemos nesse período 11 países dirigidos por mulheres (o mapa mostra apenas 10), sendo 5 no leste europeu, 4 na Europa Central e 2 no norte europeu. Desse total, 9 mulheres ainda continuam governando. A América do Sul vem em segundo lugar com 4 mulheres governantes, sendo que três delas já não estão mais no cargo, incluindo a presidente brasileira, Dilma Rousseff. África e Ásia são duas mulheres, respectivamente, sendo que uma em cada continente, também respectivamente, já não governam. E, por fim, há uma mulher governante na América Central que também já deixou o poder.

 

Então, é possível perceber que a Europa é o grande palco da participação feminina recente no poder de Estado. Mas uma outra informação muito importante diz respeito ao perfil político-ideológico dos governos em questão, o que vai nos mostrar que tipo de composição sócio-política foi necessária para que essas mulheres chegassem ao poder. Assim, foram 9 dirigentes associadas a partidos conservadores liberais de direita, das quais 6 na Europa, 2 na África e 1 na Ásia. Três delas são social-democratas, sendo 2 da Europa (apenas 1 do norte europeu, onde a social-democracia tem forte tradição) e 1 da América do Sul. Por fim, 6 são de centro-esquerda, sendo 3 da América do Sul, 1 da América Central, 1 da Ásia e 1 da Europa Central. Não temos a informação partidária de duas chefes de Estado.

 

Assim, sobre as mulheres que ocuparam o poder de Estado no mundo recente, é possível dizer que: 1) apesar da maturidade da luta social na Europa e de sua forte tradição social-democrata, as mulheres que estiveram no poder lideraram composições políticas conservadoras de direita; 2) as composições político-partidárias que levaram as mulheres ao poder no continente americano foram hegemonicamente de esquerda; e 3) fazendo a possível associação entre a social-democracia e a centro-esquerda, o mundo dirigido pelas mulheres nesse começo de século XXI está precisamente equilibrado, sendo 9 de perfil conservador liberal de direita e 9 de perfil social-democrata e centro-esquerda.

 

 

Adão Francisco de Oliveira é historiador e sociólogo, doutor em Geografia, professor-pesquisador da UFT/Porto Nacional e ex-secretário de Educação.

 

 

Comentários (0)