Populismo Penal Midiático e sua ameaça ao Estado de Direito

O risco de injustiça atinge proporcionalidade acentuada, agrava-se ainda mais quando conta com a vaidade de membros de órgãos de controle jurisdicional...

Com o recente julgamento do processo “mensalão”, um novo modelo de aplicação da lei penal é levado a efeito pela mais alta Corte do país, e estriba sua convicção em aspirações populares, matérias midiáticas e outros fatores que, a meu ver, ameaçam o Estado de Direito.

Preliminarmente, quero destacar ser temerário o julgamento basilado em aspirações populares. O risco de injustiça atinge proporcionalidade acentuada, agrava-se ainda mais quando conta com a vaidade de membros de órgãos de controle jurisdicional que lance fatos à degustação popular através da mídia, sem comprovação de sua robustez probatória, apenas para patrocinar que supostos envolvidos sejam no prelúdio processual, humilhados, estereotipados de corruptos ou melhor, execrados pela opinião pública, como ocorreu com o ex-Ministro  LUIZ GUSHIKEN (in memoriam).

Somente “ad argumentandum tantum”, uma passagem bíblica registra que o Governador Pilatos por não querer cometer uma injustiça contra um inocente, pediu que a população decidisse e, mesmo ele sustentando que não havia nenhum crime praticado por Jesus Cristo e que era período da páscoa onde o governo sempre libertava um preso, questionando o povo sobre a libertação de Cristo ou Barrabás (um criminoso)  o povo decidiu pela condenação de Cristo e libertação de Barrabás. E Pilatos, indignado com o fato, voltou ao povo e perguntou: o que faço então com ele (Cristo); responderam-lhe; crucifique-o. Aqui é de bom alvitre esclarecer que isso ocorreu em razão do Clero da época, homens letrados, de quem o povo sofria influência, ter sustentado que Jesus Cristo era um impostor e merecia a morte. Eis uma lamentável passagem onde a voz do povo falou mais alto e condenou o filho de Deus por desinformação, motivada por uma comoção orquestrada.

 Desse acontecimento deveríamos por analogia colher lições, mas não é o que acontece. Com o surgimento do telejulgamento nasce uma nova forma de fazer justiça, e não tenho dúvidas de que ganhamos em espetáculo e perdemos em segurança. Isso porque o poder dos holofotes pode fazer da prudência, do equilíbrio e da sensatez, estrelas que brilham pela ausência desses adjetivos.

Esta justiça telemidiatizada, como todos nós sabemos, é composta de palavras e discursos moralistas, duros, que a população gosta de ouvir. Na verdade entendo eu que a justiça está deixando de ser apenas um lugar onde as pessoas são julgadas de acordo com suas culpabilidades, para se transformar num privilegiado palco onde não raras vezes são protagonistas julgadores vaidosos que não querem correr o risco de serem vaiados em porta de supermercados, por terem reconhecido à luz do direito a improcedência de uma denúncia; ou absolvido um acusado explorado midiaticamente  através do populismo penal.

E na medida em que a justiça começa a se comunicar diretamente com a opinião pública, valendo-se da mídia, ganham notoriedade os anseios populares de justiça tais como: CADEIA PRA TODO MUNDO, PENA DE MORTE, PRISÃO PERPÉTUA, OS JUÍZES SÃO FROUXOS, O SISTEMA PENAL BRASILEIRO É FALHO, NO BRASIL RICO NÃO VAI PRA CADEIA, ETC...

Isso revela que as balizas da justiça, quando deixadas sob o comando do povo ou da emoção, ficam completamente cegas. E quando a emoção fala mais alto que a razão, tudo que possa satisfazer a ira das massas passa a ser válido e justo (o que é um absurdo!).

Outra questão... hoje não é somente a lei que estabelece o crime, mas também as imagens que lhes são atribuídas socialmente, que são lapidadas e casadas com um discurso que, sob a ótica da lei, classifico como irracional, emotivo e desproporcional. Na verdade é o saber técnico letrado tirando proveito da ignorância e emotividade da massa popular. Isso é virar as costas a um direito, conquistado arduamente e garantido pelo Estado democrático e de direito, que somente aqueles que tem fome e sede de justiça sabem valorizar sua existência, que é o direito ao devido processo legal. Na verdade, somente quando sentarem do outro lado da mesa perceberão o absurdo que defendem. 

O populismo penal passou a explorar o senso comum, o saber popular, as emoções, para conseguir exigir mais rigor penal, novas leis penais duras, sentenças mais severas, execução penal sem benefícios, como se fosse a solução para a criminalidade.

O nascimento do populismo penal se deu quando os meios de comunicação visualizaram que o delito vende, dá lucro; os políticos começaram a perceber o rendimento eleitoral com o tema de insegurança pública e, alguns julgadores (parquet e magistrados) simpáticos ao populismo e suas vaidades pessoais, no afã de se destacarem como homens da lei, começaram a levar a efeito decisões absurdas na esfera criminal. Com isso, acabaram fechando os ingredientes do populismo penal que, lamentavelmente,  faz-se presente e influenciam no deslinde de ações de forma nociva ao Estado de Direito.

Foi desses ingredientes que surgiu a idéia do hiperpunitivismo. Com a idéia de que o crime se resolve com mais punição e rigor; a dialética é: esqueça o delinquente, priorize a ampliação da pena, contrariando tudo o que ensinou BECCARIA CESARE em sua obra DOS DELITOS E DAS PENAS.

Sabemos que a democracia tem como seu primeiro princípio a soberania do povo, o que, ao mesmo tempo, também pode representar séria ameaça para ela, quando esse povo ou suas emoções são ardilosamente manipulados por doutrinas, discursos ou mídias fundamentalistas. O nosso poder punitivo está sendo transformado numa espécie de religião visceralmente fanática, alinhada para o castigo vingativo, desproporcionalmente severo, com inobservância da execução penal, dos direitos e garantias fundamentais, exigindo na verdade castigo sem demora, utilizando como instrução probatória com maior afinco os fatos trazidos pela mídia; que a rigor pugna pela estigmatização de suspeitos e acusados com humilhação pública, vingança, onde o objetivo é ter prazer na dor e desonra moral de pessoas sob investigação e ainda sem culpa formada.

 

É lamentável mas, até hoje, hospedam resquícios de abusos inadmissíveis em nossos processos judiciais; pela seguinte razão: na ditadura a tortura era sofrida nas fibras do infeliz e eram personalíssimas, não se estendia a  familiares do investigado. Hoje temos a democracia que aboliu a tortura física e suscitou a tortura psicológica que, lamentavelmente, permite que pessoas apenas com indícios ou suspeitas, sejam torturadas psicologicamente, pelo populismo midiático penal, estendendo o castigo psicológico a filhos, netos, esposa, pais e outros parentes,  chegando ao ponto de serem agredidos nas ruas, escolas etc.,  porque o que a mídia faz hoje literalmente e de forma generalizada é isso: induzir a massa ao erro do pré-julgamento... e isso precisa ser avaliado. No exercício da advocacia criminalista, já patrocinei causa em que meu cliente foi execrado pela mídia no ato da prisão e, no decorrer da instrução, provada sua inocência, nenhum veículo de comunicação repercutiu espontaneamente a decisão de mérito...

 Na elaboração da peça informativa, que originou a Ação Penal 470, lamento a forma com que autoridades administrativas trataram o ex-ministro Luiz Gushiken, durante a fase inquisitiva, deixando vasar dados à mídia e essa, por sua vez, usando de todos os artifícios para manter em evidência o envolvimento do então ministro à época no escândalo, fez absurdos. Esse foi um típico caso do que popularmente designa-se “bode expiatório”, onde um inocente é escolhido como exemplo para responder por um fato que não praticou. Zombam, maltratam, repudiam, insultam, humilham essa pessoa por meios midiáticos, até que mesmo que sua inocência venha ser reconhecida...fica por isso mesmo.

Mas é dessa maneira equivocada que o populismo penal quer contribuir na solução da criminalidade, onde o discurso punitivista excessivo vem das elites formadoras de opinião. Infelizmente, a voz dominante na política criminal não é mais do perito ou qualquer profissional da área, mas sim do público, do político e da mídia.

Precisamos ter consciência que não se faz justiça apenas prendendo, acusando; justiça também se faz expedindo alvarás de soltura ou absolvendo, quando a realidade processual assim o recomende. Por mais impopular que seja a decisão, a justiça deve sempre prevalecer a vaidades pessoais, em obediência aos princípios constitucionais, em especial ao da impessoalidade e da legalidade.

A quem acusa cabe o ônus da prova; e esta deve ser colhida com responsabilidade. Não podemos permitir que autoridades com intenção de não deixar a mídia perder o foco de repercussão de um fato que apuram, passem a alimentá-la com indícios absurdos, desprezando princípios do Direito e da Ética. E pior, estes devotos da vaidade midiática, dificultam o trabalho da magistratura, por produzirem peças informativas e denúncias falhas, sem consistência, sem conexão com o direito, mas sim, com o populismo penal midiático, que não será avalizado pela prudência presente na consciência da grande maioria que compõe o judiciário do nosso Tocantins e Brasil.

 

Pedro Duailibe
Advogado, OAB/TO-293 A., especializado em Direito Penal e Processo Penal.

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