“Quem deve ser o guardião da Constituição?”

Em artigo, Jorgam de Oliveira Soares fala sobre a PEC nº 33/2011 e destaca que a mesma é um "gesto de agressão à autonomia da Corte Constitucional, pois usurpa a sua prerrogativa.."

Jorgam de Oliveira Soares
Descrição: Jorgam de Oliveira Soares Crédito: Arquivo pessoal

 

Inusitadamente, na semana (02 de maio de 2013) em que se encerrou o prazo para a interposição de recursos (embargos declaratórios) pela defesa dos 25 réus condenados pelo Supremo Tribunal Federal – STF, no julgamento da Ação Penal 470, comumente nominada de “mensalão”, dentre eles, o ex-presidente do PT, José Genoino, o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, e os Deputados Federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), veio à tona, mais uma medida teratológica (absurda) por parte da Câmara dos Deputados, qual seja, à aprovação de admissibilidade na CCJ - Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa Legislativa, da Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº 33/2011, traduzindo-se num gesto de agressão à autonomia da Corte Constitucional, pois usurpa a sua prerrogativa de proferir a última palavra como intérprete da Constituição Federal.

 Essa malsinada “PEC da DISCÓRDIA”, de autoria do Deputado Federal, Nazareno Fonteles (PT-PI), consiste no despautério de promover alterações na Constituição Federal em 03 dispositivos (arts. 97, 102 e 103): mudança do quórum para a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos, dentre eles, Leis, pelos Tribunais, de maioria absoluta (6 votos) para 4/5 (9 votos); condiciona o efeito de Súmula Vinculante à sua aprovação pelo Congresso Nacional; submete ao Congresso Nacional a decisão do STF sobre a inconstitucionalidade de emenda à Constituição, revelando-se uma anomalia jurídica.

Ocorre que a pretensão do Parlamentar Federal em alusão, buscando fazer com que o Congresso Nacional passe a ser o sentinela da nossa Constituição, já nasce morta, pois objetiva abolir uma cláusula pétrea (que não pode ser modificada) da carta magna, que é a da separação dos poderes, não devendo sequer tramitar pelo Parlamento, nos termos do seu art. 60, § 4º, inciso III. Tal premissa é reforçada pelas palavras do ex-presidente da OAB, Ophir Cavalcante, pois em sua concepção, a iniciativa parte do equivocado pressuposto de que o voto popular dá poderes ao Legislativo para alterar decisões judiciais da Suprema Corte em matérias constitucionais, o que subverte a lógica do constituinte de 1988, que deu ao STF a palavra final no controle de constitucionalidade das Leis, nos termos do art. 102, caput, da CF.

Tanto é verdade, que o STF, ao apreciar o Mandado de Segurança nº 20.257, em caso idêntico ao que se ora retrata, mencionou que “a inconstitucionalidade, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou emenda constitucional, porque o próprio processamento, já desrespeita, frontalmente, a Constituição”. Essa afirmação torna-se contundente, quando se tem em relevo, que questões como cotas raciais no ensino superior, fetos anencefálicos, união homoafetiva, liberação para pesquisa com células-tronco, constitucionalidade de terras quilombolas, direitos dos indígenas (Raposa Serra do Sol), validade da Lei da Ficha Limpa, mandato do partido e não do parlamentar, alcance da Lei da Anistia, uso de algemas, dentre vários outros temas, foram apreciadas pela Suprema Corte à luz da Constituição no exercício de sua competência jurisdicional e não podem ser objeto de validação por outro Poder.

Diante deste contexto, onde parlamentares federais sentem-se “humilhados” pelas decisões proferidas pelo STF, que somente age, após provocação das partes, aqui incluindo parlamentares (MS nº 32.033-DF) e, na maioria das vezes, diante da apatia do Congresso Nacional, as palavras do constitucionalista Luis Roberto Barroso, nos explica o momento vivenciado diante desta crise institucional, pois, segundo ele, o Judiciário se expande, sobretudo, nas situações em que o Legislativo não pode, não quer ou não consegue atuar. Aqui se chega ao ponto crucial: o problema brasileiro atual não é excesso de judicialização, mas escassez de boa política. Nesse cenário, imaginar que a solução esteja em restringir o papel do Judiciário é assustar-se com a assombração errada. O que o país precisa é restaurar a dignidade da política, superando o descrédito da sociedade civil, particularmente em relação ao Legislativo.

Jorgam de Oliveira Soares. É graduado em Direito e Serventuário da Defensoria Pública do Estado do Tocantins.

 

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