Tocantins 2050

Apesar dos avanços em apenas três décadas de existência, muito mais poderia ter sido feito e os indicadores poderiam ser bem melhores hoje no Tocantins

Autores debatem sobre o futuro do Tocantins
Descrição: Autores debatem sobre o futuro do Tocantins Crédito: Ademir dos Anjos

Daqui que pisquemos os olhos o Tocantins já terá 30 anos. O tempo parece que voa... Ainda “ontem” nos preparávamos para disputar a primeira eleição em nosso Estado. O sonho da autonomia, pronunciado por Teotônio Segurado ainda no século XIX e reiterado pela Proclamação de Porto Nacional em meados do século XX, tornou-se realidade frente à nova Constituição da República de 1988, a “Constituição Cidadã”. Face a essa primeira eleição, todos nós  tínhamos muitas expectativas e novos sonhos. Todos queríamos opinar sobre a estruturação burocrática do Estado e contribuir com a determinação de suas políticas públicas.

 

Passado o pleito e definido quem seria o primeiro comandante da nau, uma discussão se tornou premente logo após o processo eleitoral e durante a fase preparatória para instalação governo de onde seria a capital do Estado: Gurupi, Araguaína ou Porto Nacional. Eram grandes as expectativas e todos se manifestavam com as suas preferências e interesses.

 

Por certo, uma visão estratégica sobre essa situação sob a ótica da superação das desigualdades que historicamente marcaram a caracterização de nosso território, esquecido pelas políticas de desenvolvimento de Goiás, era que a capital tinha que cumprir a tarefa de encurtar as distâncias em relação às várias regiões do Estado. Por isso, o ideal era que a nova capital se localizasse à margem direita do Rio Tocantins, posicionada mais no centro do Estado e com força para gerar um novo eixo de desenvolvimento paralelo à Rodovia Belém-Brasília.

 

Para responder aos arautos das estratégias localistas de poder, que advogavam a favor de Gurupi ou Araguaína, a melhor resposta era de que a nova capital tinha que ser para todo o Estado, numa perspectiva radiocêntrica, assim como Brasília fora para todo o Brasil. Porém, o anúncio de que a capital provisória seria Miracema, causou grande surpresa, pois era difícil ao entendimento coletivo vislumbrar a nova constelação de poder que se formava.  Até porque o PT, partido de força incipiente no contexto regional nessa ocasião, não conseguiu eleger nenhum quadro nessas eleições, o que dificultava o seu acesso às pautas estratégicas. Como sabemos a Capital Tocantinense passou por Miracema como um Cometa. Pois uma vez superadas as dificuldades Jurídicas, Palmas brotou do chão vermelho e se fez Capital de fato e de direito.

 

Passados 29 anos de identidade tocantinense e sem desconsiderar tantos desacertos acumulados nesse ínterim, há muito o que se comemorar, principalmente quando se olha para o passado de Norte Goiano e se vislumbra um território absolutamente pobre e segregado das oportunidades de desenvolvimento. Hoje, em que pese o Tocantins, o mais jovem Estado da Federação, ser o 24º em termos de produção de riquezas, o 27º em Eficiência da Máquina Pública e o 24º em Inovação, ele é o 19º em termos de Competitividade, o 20º em Infraestrutura, o 14º em Sustentabilidade Social, o 14º em Educação, o 7º em Segurança Pública, o 13º em Capital Humano, o 5º em Potencial de Mercado, o 21º em Solidez Fiscal e o 22º em Sustentabilidade Ambiental (Ranking de Competitividade dos Estados 2016).

 

Apesar dos avanços em apenas três décadas de existência, muito mais poderia ter sido feito e os indicadores poderiam ser bem melhores hoje se os governos que se sucederam tivessem pautado suas ações por planejamentos estratégicos integrados. Não obstante, diante de um território com regiões tão diversas e adversas, em que a pobreza social e econômica era a sua maior marca, a consideração de que a superação das desigualdades sócio-territoriais era pelo menos um dos objetivos de cada um desses governos teria orientado melhor os agentes públicos para as verdadeiras necessidades do povo do Estado. Afinal, quanto custa construir um Estado com oportunidades e prosperidade para todos, e não apenas para poucos? E mais ainda, quem é que realmente paga a conta desse desenvolvimento desigual que o Tocantins vem construindo?

 

Além do planejamento estratégico integrado e do objetivo de superação das desigualdades sócio-territoriais, alguns outros vetores precisam ser considerados. O primeiro diz respeito à necessidade de se fazer a primeira transformação no Estado do produto agropecuário. A industrialização do produto primário é elemento fundamental de agregação de valor ao capital; ao Estado, pela ampliação da arrecadação fiscal; e ao trabalho, pela geração de novas oportunidades de emprego e renda. Por isso é fundamental se criar políticas públicas mais sistemáticas que incentivem o alojamento de parques industriais que cumpram essa função.

 

Um segundo vetor fundamental diz respeito à necessária organização popular para o desenvolvimento de arranjos produtivos locais. Nesse caso, não basta se criar linhas de financiamento, mesmo que acessíveis; é essencial que se garanta a formação e a assistência técnica, especialmente envolvendo as universidades e o uso das tecnologias sociais e aplicadas por elas criadas. Por outro lado, é preciso também que o Estado induza os APLs de acordo com as devidas vocações regionais, considerando especialmente as potencialidades ambientais, turísticas, históricas e etno-arqueológicas numa perspectiva sustentável, articulando as suas dinâmicas às cadeias produtivas regionais, nacionais e internacionais. Para tanto, daria bastante consistência a criação dos Parques Econômico-Ambientais como territórios de produção e fomento da Economia Popular, associando esforços do Desenvolvimento Econômico, do Turismo e do Meio Ambiente.

 

Por fim, um terceiro vetor refere-se ao inadiável tratamento da questão ambiental, com foco especial ao Cerrado. Esse bioma tem papel vital na biogeoestrutura do planeta Terra e o seu comprometimento por práticas predatórias do modelo agroexportador brasileiro, cuja expansão descontrolada no Cerrado ocorre desde os tempos de Goiás, ainda na primeira metade do século XX, agride as  nascentes que compõem as nossas principais bacias hidrográficas, inclusive a do Araguaia e a do Tocantins. O desmatamento desenfreado de árvores que absorvem e fixam o gás carbônico, produz o oxigênio e colaboram com a produção das chuvas; o extermínio das gramíneas que canalizam a água das chuvas do solo ao subsolo, abastecendo os aquíferos; a derrubada das matas ciliares e a não adoção de práticas agropastoris com a necessária conservação do solo, que causam o consequente assoreamento dos cursos d’água; as construções irregulares e clandestinas de canais de irrigação e de barragens. Tudo isso tem provocado o aumento da temperatura no Estado, a incidência de longas estiagens, a seca dos rios, inclusive do Araguaia, do Tocantins (dois dos maiores do mundo) e do Javaé (que permite a existência da maior ilha fluvial do mundo, a Ilha do Bananal), o aumento da energia elétrica e, é obvio, a falta de água potável.

 

Esse modelo de agronegócio não serve à vida. É mister que os governos futuros assumam A PRÁTICA da defesa da sustentabilidade ambiental, garantindo a continuidade da vida com qualidade. Para isso é preciso priorizar políticas públicas que incentivem as produções sustentáveis, criando programas de compensação por serviços ambientais e fiscalizando rigorosamente as unidades produtivas, de modo a combater as práticas de degradação.

 

Assim, próximo de completar 30 anos algumas reflexões precisam ser feitas para o futuro: o quanto e como já caminhamos? Onde e como estamos hoje? Para onde e como queremos ir? E ainda, como queremos entregar esse Estado para as próximas gerações?

 

Para tanto, é importante constituir um amplo fórum que articule todas as esferas e níveis de governo: executivo, legislativo e judiciário e nacional, estadual e municipais; todos os partidos políticos; todos os setores produtivos (empresariais, cooperativados e familiares); toda a força de trabalho do campo e da cidade; toda a comunidade acadêmica pública e privada; os movimentos estudantil, populares, sociais, sindicais de trabalhadores e patrões, de  funcionários, empregados públicos e privados e as organizações do terceiro setor; e até mesmo  algumas personalidades que não gravitam entorno de nenhum desses setores  já citados, para de forma muito ampla e participativa construir um projeto de desenvolvimento portador de um conjunto de programas focados no ser humano e na vida e de grande abrangência e transversalidade  econômica, social, cultural, ambiental e regional.

 

Não é uma tarefa fácil, mas valem a pena os esforços e as energias para a realização dessa empreitada. A conclusão desse processo deverá ter como produto o Relatório Tocantins 2050, composto de um conjunto programas estratégicos distribuídos nos eixos do Desenvolvimento Econômico Sustentável; Desenvolvimento Social e Realização de Direitos; Gestão Eficiente, Democrática e Participativa; Infraestrutura e Mobilidade; Desenvolvimento Urbano e Habitação; e Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação, que deverão se desenvolver de forma abrangente e integrada.

 

Donizeti Nogueira é suplente de senador da República Federativa Brasileira.

 

Adão Francisco de Oliveira é doutor em Geografia e professor da UFT.

 

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