A Constituição Federal e os Jogos Mundiais Indígenas em Palmas

A Constituição Federal, como toda a legislação em vigor, estabelece o que os doutrinares chamam de “dever ser”, ou seja, é o que deveria ser. Por outro lado, a realidade é o “ser”. Existe uma diferença enorme entre o “dever ser” e o “ser”. Em linguagem popular: “a teoria é uma coisa, a prática é outra”.

 

O grande desafio das administrações públicas e da sociedade é aproximar o máximo possível o “dever ser” do “ser”, é converter a teoria em prática. Esse é exatamente o ponto que separa os países desenvolvidos dos não desenvolvidos, como é o caso do Brasil. Quanto maior a capacidade da administração pública e da sociedade em transformar a teoria em prática, ou seja, de transformar a previsão legal em realidade, maior será o seu grau de desenvolvimento.

 

A Constituição Federal determina, em seu art. 3º, inciso III, que é um dos objetivos fundamentais da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Determina ainda, no decorrer do seu texto, uma série de direitos na área da educação, saúde, justiça, segurança pública, infraestrutura (estradas, ferrovias, hidrovias), cultura, moradia e tantos outros que estão longe de se materializarem em realidade, exatamente por falta de políticas públicas corretas e aplicação do dinheiro público de forma inteligente e proba.

 

A realização da copa do mundo no Brasil tem demonstrado o “tiro no pé” que foi essa decisão. Muito dinheiro gasto, na ordem dos bilhões de reais, em jogos, enquanto o país padece de imensas carências. É o direito constitucional que não se materializa.

 

Olhando para o nosso umbigo, para o Tocantins e para sua capital Palmas, verifica-se que padecemos da implementação de todos esses direitos previstos na Constituição Federal.

 

Temos uma capital toda esburacada; distritos industriais que padecem de infraestrutura mínima para o seu funcionamento; assistência médica hospitalar ausente para a população; uma educação altamente ineficiente, que atinge apenas um percentual pequeno da cidade; segurança pública carente de equipamentos e de pessoal (a bandidagem está à solta aterrorizando a cidade); os empresários carecendo de dinheiro para investimento em seus negócios para gerar mais renda e emprego; rede hoteleira deficitária, pois não há investimento para aumentar os leitos disponíveis na capital; e talvez o mais absurdo de todos: até hoje não se tem um centro de convenções para sediar, o ano inteiro, o chamado turismo de negócios, que realmente movimentaria a cidade de forma permanente.

 

Apesar de todas essas deficiências, aparece agora a fantasiosa ideia de Palmas sediar os Jogos Mundiais Indígenas. Se isso realmente ocorrer, vai ser a copa de Palmas. Será muito dinheiro investido em nada, jogado fora, como o Brasil está fazendo com a copa do mundo.

 

Os direitos sociais previstos na Constituição Federal precisam ser implantados. A infraestrutura em Palmas precisa ser construída. Os empresários, grandes, pequenos e micro, carecem de dinheiro para seus negócios. Não se pode continuar permitindo que jogue tanto dinheiro fora, recursos dos brasileiros, arrecadados através de impostos absurdos em cima do trabalho suado do brasileiro.

 

Está na hora dos vereadores dizerem não a mais esse contrassenso e dizerem sim ao desenvolvimento da cidade. A sociedade, através de suas associações e organismos de classe, precisa dizer não a esse projeto de desperdício de dinheiro público e dizer sim a boa aplicação dos recursos públicos. A hora é agora, depois não adianta reclamar, como é o caso da copa do mundo.

 

É isso.

 

Marcelo Cordeiro é advogado, pós-graduado em administração pública, mestrando em Direito Constitucional pelo IDP, ex-juiz do TRE/TO. Escreve todas as segundas na coluna Falando de Direito.

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