A volta da Idade Média

 

 

A Idade Média foi caracterizada pela cristianização das instituições do Estado, na verdade do que restou do Império Romano. De um lado os incultos e ignorantes, de outro, os gatunos e espertalhões que se aproveitavam da fé daqueles que nada tinham. Isso foi possível porque as pessoas mais cultas do mundo ocidental, se isolaram nos mosteiros, num movimento conhecido como monasticismo.

 

Por mais de mil anos o mundo amargou o que se denominou posteriormente de Idade das Trevas ou Idade Média. Quando esse período da história chega ao final, varrido pelos iluministas, que obviamente eram ateus, até mesmo porque ser cristão era estar submetido a crendices e superstições.  Assim, o lógico e óbvio, numa nova fase de esperança, era ser ateu mesmo.

 

Faço esse histórico para reafirmar que o Estado não pode ser cristianizado, ou seja, o Estado não pode ser regido por valores religiosos. Isso já foi tentado e o resultado foi a construção do período mais horrendo da história recente da humanidade. O Estado deve ser humanizado, ou seja, regido por valores humanos. Por valores estabelecidos pelo próprio homem. Quem deve ser cristianizado é a Igreja.

 

Até 1988 os evangélicos, dos quais faço parte, até então, como instituição, não participavam da vida política do Estado. A partir da redemocratização do Brasil e com o poder do voto, a chamada igreja evangélica, essa que é mais visível, (com exceção das igrejas chamadas de históricas ou reformadas), descobriu o poder do voto. Grande parte dos seus líderes passaram a explorar o poder do voto de seus membros, como na Idade Média, de um lado os incultos de boa-fé e do outro os gatunos e espertalhões.

 

O desastre já bate às portas da igreja cristã (evangélica), pois os católicos, sabiamente, depois de contribuírem de forma decisiva para o fim do regime militar, “saltaram do barco” e colocaram um fim na chamada Teologia da Libertação e nos movimentos das chamadas comunidades eclesiais de base, que, queiram ou não, abrigou em seu seio, grande parte do movimento político de esquerda.

 

Esse desastre está materializado no mau exemplo que essa mesma igreja tem dado em todos os cantos de sua atuação.

 

A cristianização do Estado e das leis está ocorrendo pela força eleitoral dos líderes evangélicos. Os políticos não evangélicos, espertamente, concordam com todo tipo de absurdo para não perderem votos do segmento. Absurdos esses refletido em criação de excrecências como o “Dia do Evangélico”, em Brasília, onde é feriado, o que é um absurdo.

 

Agora a música evangélica está sendo alçada a patamar de manifestação cultural, que na verdade não tem nada de cultura, muito pelo contrário, é a repetição de tudo que já existe, só que com uma letra diferente. Com certeza os americanos e os ingleses, com toda a razão, poderiam exigir que a música deles fossem uma manifestação cultural. A nossa, nunca.

 

Se isso não bastasse, os governos Municipais, Estaduais e Federais já estão destinando recursos públicos para pagarem “shows evangélicos” sob o argumento de um “turismo religioso”, que gera renda e divisas para as cidades.

 

Tudo isso em detrimento do que estabelece o art. 5º, inciso art. 19, I, da CF/88, que assim prescreve: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

 

Faz-se necessário que estejamos atentos as lições da história. Faz-se necessário que se tenha a coragem de dizer não a esses absurdos que vem se perpetrando na administração do Estado com desculpas religiosas, que a bem da verdade, serve unicamente para beneficiar uns poucos espertalhões e mercadores da fé alheia.

 

É isso.

 

Marcelo Cordeiro é advogado, pós-graduado em administração pública, mestrando em Direito Constitucional pelo IDP, ex-juiz do TRE/TO. Escreve todas as segundas na coluna Falando de Direito.

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