O assassinato de Késia Freitas Cardoso e o Código de Processo Penal

Késia Freitas morreu em Uberlândia, Minas Gerais
Descrição: Késia Freitas morreu em Uberlândia, Minas Gerais Crédito: Reproduo/Facebook

Uma jovem de 26 anos leva uma facada no pescoço, é jogada num latão de lixo, o autor do assassinato comparece a delegacia espontaneamente, confessa o crime e vai embora para casa como se nada tivesse acontecido. Nada mais absurdo. O sentimento de impunidade toma de assalto qualquer pessoa normal. É ilógico e incompreensível como a lei permanece inerte em relação a uma situação dessas.

 

Bem, isso acontece porque o Código de Processo Penal – CPP, permite a prisão de uma pessoa somente em duas situações: 1) prisão em flagrante (quando o crime está ocorrendo ou enquanto a polícia está no encalço do criminoso e o prende durante essa perseguição); 2) por ordem judicial.

 

O juiz, por sua vez, tem a autorização do Código de Processo Penal para determinar a prisão de uma pessoa, nas seguintes situações: a) para a garantia da ordem pública; b) para a garantia da ordem econômica; c) por conveniência da instrução criminal; d) para assegurar a aplicação da lei penal. Em todos esses casos deve haver prova da existência do crime e indício de sua autoria.

 

No caso específico do assassinato da jovem Késia, tomando como verdade o depoimento do rapaz que cometeu o crime (situações como essa ocorre às centenas diariamente no Brasil), nenhum dos requisitos para a decretação da prisão preventiva está presente. Equivocadamente, muitos juízes, para dar uma satisfação à sociedade, determina a prisão com base na “garantia da ordem pública”, que efetivamente não se aplica ao caso. Quando isso ocorre, o preso ingressa com um processo no Tribunal de Justiça, chamado habeas corpus e normalmente os tribunais tem concedido a liberdade ao assassino confesso, com o argumento de que não há motivo para a manutenção da prisão preventiva, até que ele seja julgado, condenado e passado o prazo para qualquer recurso.

 

Na prática, essa condenação sem mais possibilidade de recurso (no direito chama de condenação transitada em julgado) pode demorar anos. Enquanto isso o autor confesso do crime fica livre, para o desespero de todos. Isso planta na sociedade, na cabeça das pessoas, a certeza de que não há lei e que a impunidade campeia solta. Em muitos casos isso é verdade mesmo.

 

Bem, e por que a lei é assim? O objetivo dessa norma é a proteção de pessoas que são acusadas, mas são inocentes. A lei então, não permite que a pessoa seja presa enquanto não se esgote todas as possibilidades de recursos, evitando assim que inocentes padeçam prisões injustas. É o chamado princípio da inocência presumido, previsto na Constituição Federal, no art. 5º LVII, que assim determina: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

 

O que fazer então? Qual a saída para manter o princípio da inocência intacto e ao mesmo tempo não permitir que assassinos confessos, de crimes banais e fúteis permaneçam soltos, rindo na cara de todos? A saída está na mudança do CPP.

 

Mais uma vez essa situação volta para as mãos do Poder Legislativo (deputados federais e senadores). É necessário que o Congresso Nacional faça as mudanças no Código de Processo Penal para que crimes confessos dessa natureza possam ser punidos imediatamente com a prisão do criminoso, mantendo-o preso durante todo o processo.

 

Na lógica do processo democrático, o Poder Legislativo é movido de acordo com o interesse dos eleitores. É necessário que haja mais pressão social sobre os parlamentares para que essa situação seja modificada.

 

Esse conjunto de desajuste social (criminosos soltos por falta de norma legal) deve ser resolvido pela mudança das leis que, diga-se de passagem, são muito brandas. Essa suavidade das leis penais constitui um dos fundamentos da impunidade brasileira. Deve-se reconhecer que não é o único motivo, mas compõem o rol das causas que explicam a alta taxa de criminalidade que temos no Brasil.

 

É isso.

 

Marcelo Cordeiro é advogado, pós-graduado em administração pública, mestrando em Direito Constitucional pelo IDP, ex-juiz do TRE/TO. Escreve todas as segundas na coluna Falando de Direito.

 

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