Carta resposta a um amigo

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Meu caro amigo...

Acabo de receber sua resposta ao meu pedido para ajudar a divulgar a festa onde a banda que estou agora produzindo, a Albion, vai tocar. Só pra lembrá-lo, você me diz no e-mail:

“Ajudar na divulgação é possível. Foda é engolir o estrangeirismo do nome da tal FESTA (London Fest). Pobre cultura pop brasileira, antinacionalista, submissa, fã dos imperialistas!”

Desculpe-me confrontar suas duras palavras e o discurso que me lembra uma esquerda que julgava já ter sido sepultada pela queda do muro de Berlim. No mesmo tempo que respeito sua posição, me rogo o direito de discordar de suas palavras ácidas, e por isto aqui vai minha resposta.

Fazia tempo que eu não via este tipo de discurso. Puxa, isto é da época da minha militância no movimento trotskista e no PT dos anos 80. Ela remete a uma coisa que combatíamos do discurso dos militantes stalinistas. 

Atrasados, no assunto arte eles ainda bebiam na fonte do “Realismo Socialista” que imperou na então União Soviética (Putz... esta também nem existe mais), entre os anos 30 e metade dos anos 60. Foi uma política de Estado que tutelava a arte e lhe impunha uma estética que precisava valorizar tão somente as coisas de interesse do Partido Comunista, ou então, era considerada “arte burguesa”.

O que não seguia o discurso do realismo socialista era imediatamente taxado como imperialismo cultural. Foi assim que o rock, por exemplo, foi proibido ao povo soviético. E olha que o primeiro show de uma estrela do rock só foi acontecer na URSS em 1979, com Elton John.

Meu caro amigo... Eu acho que a língua de um povo é o eixo cultural capaz de distingui-lo dentre os demais, contudo, penso que a música é um idioma universal que perpassa todas as culturas. Ela é universal, é lúdica e, sobretudo, desprovida de fronteiras. 

Curto a música popular brasileira, a bossa nova, o samba de raiz, o rock nacional, assim como me reservo o direito de gostar do jazz, do blues, do rock americano, britânico e australiano; do reggae jamaicano, da salsa e o merengue caribenho; e até da novíssima música pop francesa ou das experimentações hoje feitas na música indiana numa junção com os recursos da música eletrônica. 

Não sei se fui picado pela mosca do imperialismo cultural, mas anseio muito estar sempre me deparando com novas sonoridades. Acredito que ouvir sem preconceitos ou rótulos, é algo fundamental. Até pra definir claramente aquilo que não gosto, como o nosso brasileiríssimo sertanejo, axé ou calipso. Mas sempre respeitando aquele que aprecia.

Sem medo de ser feliz ou de ser taxado de pequeno burguês, imperialista, ou coisas do gênero, acho que vou continuar curtindo os sons previstos para a London Fest como The Beatles, The Who, Pink Floyd, Oasis, Artics Monkeys, e também as releituras com melodias com influências britânicas de bandas brasileiras como Mutantes, Vanguart, Cachorro Grande e a própria Albion.

E pra que não fique bravo comigo, reproduzo aqui um trechinho da música Fruto do Suor, do saudoso Raíces de América, que inclusive tem dois ex-integrantes morando em Palmas. A música finalizava assim:

Não me sinta forasteiro. Não me invente geografias. Sou tua raça, sou teu povo, sou teu irmão no dia-a-dia.

Do amigo e irmão no dia-a-dia,

Melck Aquino

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