Dia da Visibilidade Trans: homens e mulheres falam sobre transição e transfobia

No Dia da Visibilidade Trans, o coletivo SOMOS conversou com alguns homens e mulheres falaram sobre suas vivências de transição, transfobia e os desafios de serem trans no Tocantins.

Crédito: Divulgação/SOMOS

Nesta sexta-feira, 29 de janeiro é comemorado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Para ouvir um pouco sobre a realidade de homens e mulheres que sentem na pele o que é passar por um processo de transição e ainda suas vivências, o Coletivo SOMOS conversou com algumas pessoas que tem muito a dizer sobre os desafios enfrentados no Tocantins.

 

Mulheres Trans x Desafios

 

Com um curriculum extenso, a economista formanda pela Universidade Federal do Tocantins, Rafaella Alexandra Vieira Mahare, esbanja simpatia. Ela que também é especialista em Gestão Pública, Gestão de Pessoas, Gerenciamento de Projetos e em Orçamento e Finanças Públicas, funcionária pública de carreira do Estado e atualmente Gerente de Planejamento da Secretaria da Infraestrutura, Cidades e Habitação, falou sobre como é ser uma mulher trans.

 

“É uma condição de resistência ininterrupta. Antes de mais nada, é lutar diariamente para ter minha identidade de gênero reconhecida. Ou seja, é ter que lutar diariamente em qualquer espaço que eu esteja para ser tratada enquanto uma mulher, para ser respeitada enquanto cidadã e para ter os meus direitos garantidos. As mulheres trans são as principais vítimas de crimes bárbaros e possuem expectativa de vida de apenas 35 anos. A média nacional, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 75,5 anos. A violência física também é estrutural. Está presente nas pequenas coisas. Nos olhares preconceituosos, quando impedem que mulheres trans usem o banheiro feminino, quando não respeitam o nome social e as chamam por um nome masculino. É o não reconhecimento de nossa identidade de gênero, mas também o processo de desumanização que acontece. A perpetuação dos estigmas contra nossa população. Portanto, nossos desafios são, antes de mais nada, vencer o preconceito e a transfobia. Mostrar que somos pessoas capazes, que podemos viver em sociedade e ajudar a construir uma coletividade mais digna. É lutarmos por políticas de educação inclusiva, saúde integral, segurança, inclusão e aceitação no mercado de trabalho”. 

 

Outra mulher que conversou com o Coletivo foi a idealizadora da Associação de Trans e Travestis do Tocantins (Atrato) Byanca Marchiori. Mulher Trans e defensora dos direitos da população T há anos, ela também é técnica de enfermagem e se especializou em instrumentação cirúrgica. Ao Coletivo ela detalhou como se deu a construção da Associação. 

 

“Em 2008 fiz o curso ‘técnico de enfermagem’, antes mesmo da transição. Já em 2011 me assumi como mulher Trans. Depois de 2014 eu fiz especialização em instrumentação cirúrgica e continuei me capacitando. Quando entrei no mercado de trabalho comecei minha transição. Foi muito difícil no início me adaptar, mas consegui ocupar meu espaço e há 08 anos atuo como profissional da área da saúde. Lembro que eu participei de um encontro regional da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e vi que era preciso uma união aqui no Tocantins. Por isso criamos a Atrato. Eu costumo dizer ainda, que uma organização é importante para a nossa visibilidade e essa visibilidade não é só na política, mas na sociedade e no mercado de trabalho como um todo”.

 

O SOMOS também conversou com uma mulher que inspira superação: a professora Rubra Araújo, Doutora em Letras: Ensino de Língua e Literatura. Ela falou sobre como é estar na universidade, sobre sua atuação como docente, as batalhas que enfrentou para alcançar suas vitórias e como é ser mulher trans no Tocantins. Um dos destaques feito pela Doutora é a transfobia que, infelizmente, ainda está presente nos mais variados locais, inclusive na própria Universidade.

 

"Década de 90, anos 2000 eu não poderia chegar como ‘Rubra’ e travestida no trabalho. Era uma época em que o nome social era o nome de Guerra. Se eu chegasse assim, seria barrada como fui em seleções e concursos para assumir alguns postos. Não foi uma luta fácil. Foi viver dentro de um casulo. Quando ele não me cabia mais eu Transbordei. Passei inúmeros processos e já fui professora da rede estadual até chegar na UFT como efetiva. E eu te digo com todo gabarito: é muito mais fácil lidar com os alunos do que com os colegas professores. Minha área de atuação, meus objetos de pesquisa trabalham a marginalidade e essa não é uma perspectiva que atenda a visão estruturalista da universidade. Como eu tento abordar questões e assuntos que estão ‘à margem’, isso nos deixa também muitas vezes à margem, pois não é legitimado pela Universidade. Vivenciei embates da graduação à pós-graduação. Porém, eu defendo que a minha atuação dá possiblidade para inúmeras pessoas Trans ou que tenham afinidades em estudar assuntos que são marginalizados, de se sentirem comtemplados no curriculum acadêmico. E ser mulher Trans no Tocantins não é nada fácil e é complexo. A gente é confundida o tempo inteiro, temos demandas próprias e até mesmo a nossa comunidade não nos entendem. Temos especificidades no mundo trans. Aqui no Estado a gente percebe muito investimento em questões que envolvem a área agrícola, mas pouco investimento humano.  Aqui é mais é mais fácil investir em agronegócio do que no ser humano. As nossas demandas vão da área da saúde para a segurança pública. É muito difícil você vivenciar sua transgeneridade no Estado do Tocantins. Todos te olham como objeto. Ao mesmo tempo que você é vista como fetiche nos guetos você é escandalizada em público”. 

 

Homens Trans x Visibilidade

 

Para ouvir também a percepção de homens Trans do Estado do Tocantins sobre o dia da visibilidade e sobre os desafios enfrentados, o Coletivo SOMOS conversou com o professor e empreendedor Lídio Fernando Yale Vieira Barros. Ele explicou como foi o seu processo de transição e criticou a falta de união da comunidade, na busca por uma representação nos espaços de poder.

 

“Ser trans não é fácil não. O início da minha transição foi bem difícil porque eu não tinha suporte nenhum, então tive que correr atrás dos meus direitos. Entrei na justiça para garantir minha cirurgia de mastectomia e também lutei pelo nome social na Universidade e no serviço público. Porém o pior mesmo é a auto aceitação. Quando a gente aprende a se aceitar as coisas ficam mais leves. Eu acredito que um dos maiores desafios da comunidade Trans é o enfretamento à violência, a falta de acesso a saúde integral, pois não há ambulatório Trans aqui, a auto aceitação e a falta de acesso ao mercado de trabalho. Tem também o bullying transfóbico nas escolas, que é muito pesado. Mas, contudo, eu penso que hoje em dia a visibilidade está bem maior. O que falta no Tocantins ainda é uma representação política que defenda nossos direitos LGBTQIAP. Isso é primordial. Acho que falta uma auto-organização. LGBT não vota em LGBT e isso, lamentavelmente, é impressionante”. 

 

Para o criador de conteúdos digitais, Felipe Pinheiro, viver como uma pessoa Trans no Tocantins sempre foi símbolo de luta e resistência. Ele explica que tanto na área da saúde, pela falta de amparo, quanto na parte administrativa, sempre foi uma luta conseguir direitos básicos e essenciais. 

 

“Fui o primeiro homem trans a ter a documentação retificada na época em que ainda era necessária ação judicial civil para realizar a troca de documentos. Acredito que a de extrema importância levar os debates sobre identidades de gênero para os diferentes espaços, inclusive os espaços políticos, porque são neles em que são levantadas a necessidade de uma população. E pra ser incluso precisamos falar de todo tipo de população. Desejo que a nova política enxergue mais o ser humano e lute por todos”, declarou.

 

O estudante de medicina Rubens Gabriel também conversou com o Coletivo SOMOS sobre os desafios de ser um homem trans no Tocantins. No início da manhã desta sexta-feira, 29, ele já tinha realizado postagens em suas redes sociais, onde fala sobre as suas dificuldades. “É sofrer transfobia, ter que engolir piadinhas de pessoas sem um pingo de empatia e respeito e lutar todos os dias com o próprio corpo”, afirmou. 

 

Ele também relatou que um dos problemas é aguentar desaforos de pessoas desinformadas e que lutar por uma saúde mental resistente é um dos seus desafios. “Apesar de tantos pontos negativos eu ainda sou grato. Grato pelo homem resiliente que me tornei”, concluiu. 

 

Entidades

 

Além do Coletivo SOMOS e da Atrato, existem outras organizações que também dão suporte e apoiam ações voltadas à comunidade LGBTQIA+ do Tocantins, como a Casa A+, IBDFAM, OAB Tocantins, por meio da sua Comissão de Diversidade Sexual, Asas do Cerrado, entre outras.

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