Dilma com omelete e sem metáforas

O jornalista Flávio Herculano analisa a entrevista concedida pela presidenta Dilma Rousseff a apresentadora Ana Maria Braga. "Dilma preferiu conversar sobre seu dia-a-dia, suas relações familiares, seu gosto pela leitura e até contou algumas de ...

Poderia ter optado por qualquer programa de cunho jornalístico. Mas, ao completar 60 dias de governo, a presidente Dilma Rousseff concedeu uma de suas primeiras entrevistas à televisão na copa da casa do programa feminino Mais Você, em um cenário de café da manhã, antes de quebrar os ovos e ensinar como se faz uma omelete de queijo. Dias depois, Dilma conversou amenidades com outra loira da TV, Hebe Camargo, em entrevista ainda inédita.

Poderia falar de política cambial e relações internacionais. Mas Dilma preferiu conversar sobre seu dia-a-dia, suas relações familiares, seu gosto pela leitura e até contou algumas de suas histórias com o cachorro “negão”, presente de José Dirceu. No Mais Você, mostrou-se descontraída e espontânea, bem diferente da dama de ferro do imaginário brasileiro e do fantoche lulista visto na última campanha. Na entrevista a Hebe, a presidente até arriscou cantarolar alguns versos de Roberto Carlos.

Dilma poderia falar sobre o Brasil, mas acertou quando decidiu falar sobre si. Não a gestora, mas a mulher – aquela que ninguém conhece, mas que precisa ser mostrada para sua própria sobrevivência política.

Antes desconhecida do grande público, Dilma foi apresentada em pleno processo eleitoral como a mulher que daria continuidade à obra do então presidente Lula. Já surgiu como um apêndice, apontada como aquela que esquentaria a cadeira presidencial por quatro anos, até um possível retorno de Lula. Na época, não podia nem deveria mostrar opinião e personalidade, exceto nos pontos orientados pelos marqueteiros.

Desde então, Dilma foi eleita, empossada e cumpriu com o esperado em dar continuidade à linha administrativa lulista, de quem herdou 15 ministros. Ainda está nos 100 primeiros dias de governo - período de lua-de-mel com a oposição, a imprensa e o povo -, mas a presidente precisa começar a expor sua própria cara, rompendo o silêncio natural ao seu estilo discreto e tendo o desafio de mostrar um diferencial na administração do país, mesmo sendo ela a técnica que definiu a feição do governo Lula e mesmo tendo sido eleita presidente só para dar prosseguimento ao que já existia.

Pelo seu estilo técnico, a criatura jamais conseguirá superar seu criador em termos de popularidade, mas Dilma precisa manter a estrela do PT e seu próprio nome em alta. Como não é boa em metáforas, Dilma recorre aos temas amenos, à receita de omelete de queijo da vovó e às canções do rei para criar uma identificação com o povo, conseguindo soar convincente. Difícil será mostrar personalidade em termos das políticas públicas para o país.

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