No réquiem para Everaldo, há coisas que não nos é dado esquecer

Tombou um inocente na rua, de frente a uma pizzaria, ambiente familiar, num dos endereços mais nobres de Palmas, na sexta-feira 1º. Everaldo Morais de Araújo, 35 anos, trabalhador de carteira assinada há mais de dez anos, num mesmo lugar, é nome marc...

Falar de crimes é sempre uma tarefa difícil. Principalmente por que as coisas a serem ditas, normalmente perdem o efeito se não forem ponderadas na hora do quente da emoção, em que a tendência comum de quem perde um ente querido é revidar, encontrar rapidamente os culpados,e de preferência puni-los, antes mesmo que o corpo da vítima esfrie, fazendo serenar as emoções.

Há dois dias que trabalho a indignação que nos atingiu a todos desde que o funcionário do Hotel Vitória, caiu de frente à pizzaria Paço do Pão, ao que todos os depoimentos de testemunhas indicam, vitimado por balas disparadas pela polícia. É difícil que não sejam, diante da riqueza de detalhes, testemunhas e evidências. Mas a nós, jornalistas, assim como manda o direito é forçoso dar aos policiais envolvidos na operação o beneplácito da dúvida.

À nós, bem explicado. À família não. A noiva que o acompanhava e que vem dizer nas páginas do Jornal do Tocantins deste domingo que “de tudo se lembra” e tudo está pronta a relatar não tem dúvida sobre de onde partiram os tiros. A enfermeira que tentou socorrer o rapaz também não duvida de onde partiu o conselho (ou a ordem?) para que não desse socorro. A mãe, então, fez o mais triste desabafo: “Meu filho era um homem bom. Não merecia morrer assim”. Não merecia dona Terezinha, não merecia...

As perguntas que a instituição precisa responder

Os fatos gritam tão alto, que não há argumentos a acrescentar diante do corpo que desceu à cova neste domingo, numa cidade até certo ponto pacata, se comparada sua violência à dos grandes centros. Mesmo ponderando com calma e colocando tudo no lugar, há perguntas das quais a instituição Polícia Militar não poderá se furtar a responder, pelo seu porta-voz ou comandante nos próximos dias.

Por que policiais militares trocaram tiros com fugitivos em meio a populares?

Por que um cidadão – fosse ele bandido ou não - foi atingido na cabeça?

E por que cargas d’água, um profissional fardado, após ser aprovado num concurso e passar por um curso de formação, diz a uma civil que não socorra um ser humano tombado no chão, por que este seria supostamente um bandido e “bandido tem que morrer”?

Estas perguntas, não vamos - imprensa e sociedade organizada - descansar, enquanto a Polícia Militar do Estado do Tocantins não responder.

As coisas que não podemos esquecer

Neste domingo de tristeza pelo que representou esta ação desastrosa na vida daquela família e nos reflexos que teve no sentimento da sociedade a respeito da nossa Polícia Militar, há algumas coisas no entanto, que não nos é dado o direito de esquecer.

Primeiro, que temos uma polícia honesta. Não estamos submetidos à corrupção que impera bem aqui ao lado, nas nossas fronteiras com estados bem próximos onde para passar por uma barreira o cidadão tem que pagar "o cafezinho" de uma tropa mal paga ou mau acostumada. E onde se não houver nenhum extintor vencido para dar motivo à multa, eles inventam.

Segundo, que temos uma polícia ordeira, pacata. Com raras e pontuais exceções, que devem ser tratadas como são - exceções - nossa polícia ostenta com abundância quadros formados por pessoas de bem. De praças a oficiais posso enumerar um sem número deles que não podem, não merecem e não devem ser crucificados e manchados em sua reputação e imagem quando ocorrem fatos como este de sexta-feira.

Tenho que concordar com o colega Luiz Armando quando este coloca, no seu desabafo indignado, que há um tom acima do prudente na orientação que estes militares estão recebendo de seus comandantes. E sinceramente, gostaria de entender de onde vem isto, já que não consigo enxergar este perfil no comandante da PM, Coronel Marielton.

A polícia está nas ruas com a ordem de atirar primeiro e perguntar depois? Duvido.

A polícia está orientada a atirar para matar, executando sumariamente, sem direito a defesa e a julgamento supostos marginais? Não acredito.

Se há alguma verdade nestas afirmações que começam a ganhar corpo nas ruas diante do abuso do uso da força em episódios recentes do noticiário, é preciso que venham a tona, denunciadas pelos próprios militares que não coadunam com este tipo de postura.

Segurança já é um problema sério que o Tocantins enfrenta. Sequestros relâmpagos, assaltantes na porta de bancos, assaltos violentos nas desguarnecidas cidades do interior. Tudo isto somado à fragilidade do nosso sistema carcerário está desafiando a atual gestão a encontrar uma saída inteligente e eficaz para o quadro que começamos a viver no estado.

Particularmente, só acredito que vamos conseguir vencer o crime e preservar a vida de inocentes, como Everaldo Araújo, se a polícia não for vista com temor pelos cidadãos a quem tem por obrigação defender.

Esta é a perspectiva que não pode ser perdida: precisamos nos aliar, sociedade e sistema de segurança contra o crime e a violência. Para que não tombem os nossos em confrontos absurdos e desnecessários, que ficam bem melhor nas telas dos filmes que a gente assiste na TV. Para isto não tenho dúvida de que a instituição Polícia Militar vai ter que cortar na carne. Resta saber o quanto.

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