Os deputados e as extras ou: por que é tão difícil para a Assembléia encontrar a sintonia com as ruas?

Não gosto muito do discurso maniqueísta, que divide as pessoas e os grupos políticos entre bons e maus. Também considero excessivo o discurso moralista que atribui todos os erros a um determinado grupo político e o resgate da ética na política a outr...

Ontem à noite, o deputado Freire Jr., líder do governo, se recusou a assinar presença na primeira sessão extraordinária convocada pelo presidente Raimundo Moreira (PSDB), para votar dois projetos. O primeiro foi o 121/2011, que reduz a base de cálculo e concede isenção e crédito presumido de ICMS em algumas operações. O segundo simplesmente dava nome ao fórum de Dueré.

Depois de passar duas semanas sem votar nada por falta de quórum, o parlamento tocantinense trabalhou bem nesta terça-feira, 15. Instalou as comissões que faltavam, e fez talvez a sessão ordinária mais longa de sua história: começou pela manhã, foi interrompida no intervalo do almoço, retomada depois das 15hs, e duas vezes interrompida novamente para que as comissões se reunissem.

Extras engordam contra-cheque às vésperas do fechamento da folha

Às vésperas do fechamento da folha da Casa, o presidente convocou as extras, pasmem: para votar os dois projetos citados. Ninguém discute a importância do primeiro. Mas não faria muita diferença que fosse votado hoje, quarta-feira, em sessão ordinária. O segundo então, nem precisaria ser pautado: é uma denominação de fórum.

A atitude de Freire Jr. no entanto desmascarou as reais intenções da convocação, e colocou freio em mais duas sessões extras que poderiam acontecer ainda ontem à noite para votar projetos que poderiam esperar, já que até as 20h10 o orçamento não havia sido protocolado na Casa para ser recebido, lido, e encaminhado às comissões.

“Não sou contra a realização de sessões extras, mas acho um absurdo Sr. Presidente, a forma como tem sido convocadas nesta Casa, até oito sessões, seguidas, de dois em dois minutos”, protestou Freire Jr., que já havia advertido Moreira de que não concordaria com a prática.

Reação dos deputados revela falta de sensibilidade

Defendendo que as extras aconteçam na medida da necessidade e ao longo das semanas, Freire Jr. abriu ontem a caixa de pandora. A verdade é que as extras, na maioria das vezes, são “arranjadas”, para dar um ganho extra aos deputados de cerca de R$ 6 mil reais. É o que sobrou entre o salário aprovado para suas excelências e o limite do teto que pode ser pago a cada um.

Ao não marcar presença na primeira sessão, marcando na segunda para usar a palavra e explicar sua posição, Freire Jr. despertou a ira dos colegas de parlamento, que se viram expostos como “nunca antes na história da Assembléia”. Foi duramente combatido por José Bonifácio ( “se é legal, vamos fazer”); por Osires Damaso (“o que não dá é para ser comandado por um líder que quer se promover às custas desta Casa), e até por Eli Borges (“não uso este dinheiro para mim, vivo do meu salário, mas acho que este assunto poderia ser discutido de outra maneira”).

Com todo respeito que acho que os deputados merecem, está na hora de repensar suas posições. No Brasil inteiro causa indignação os altos valores de salários recebidos por parlamentares. Não é uma questão legal, já que os próprios beneficiados fazem as leis que tão fartamente os beneficiam: é uma questão acima de tudo moral. De não se locupletar com dinheiro público num quadro de crise econômica, de mínimo bem mínimo e de tantas diferenças sociais. Questão de sensibilidade. Ou falta dela.

Salário alto, verba de gabinete, extras....

Ganhando R$ 20 mil reais de salário, R$ 20 mil de verba de gabinete e empregando até 50 servidores por gabinetes, é inaceitável que os deputados queiram ainda simular necessidade de extras para votar o que estão regiamente pagos para votar ordinariamente. Extras, o próprio nome já diz, é para situações excepcionais, extraordinárias.

O que fica para nós, meros mortais, é que o discurso não combina com a prática, especialmente para a bancada de governo. Está absolutamente correto o pensamento do deputado Freire Jr. ao dizer que em tempo de cortes nos recursos dos demais poderes, de cortes no orçamento nacional, de corte nas estruturas da Casa e na produtividade dos seus funcionários, é inadmissível o comportamento de chamar extras para votar quase nada e engrossar, cada um R$ 1200,00 (Hum mil e duzentos reais) por sessão, ou no pacote, quase R$ 6 mil líquido, que é o teto.

Hora de saber quem é quem

A composição atual da Assembléia Legislativa é uma das mais ricas em quadros de qualidade. O debate tende a melhorar sensivelmente. Mas está na hora de alguns dos novos valores abrirem a boca para fazer coro à voz desafinada e solitária de Freire Jr. A dificuldade da maioria dos deputados em sintonizar suas ações com o clamor das ruas é grande, mas ainda dá tempo.

Não consigo imaginar deputados como Marcelo Lélis (PV), José Geraldo(PTB), Sargento Aragão(PPS) e até Wanderlei Barbosa(PSB) coniventes com as extras “de mentirinha”. Os tempos mudaram senhores e a sociedade atenta, está cada vez exigindo mais senso de realidade dos seus representantes.

Imagino o que Freire Jr. não deve ter ouvido na reunião que se sucedeu às extras. Tomara que resista na defesa dos princípios que esboçou ontem. E que os melhores o acompanhem.

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