Orçamento, tragédias e desastres, por Ramiro Bavier

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No Projeto de Lei do Orçamento 2020 (PNL 22/2019 – Lei n° 13.978, de 17 de janeiro de 2020), aprovado em dezembro último, não vi onde está a previsão do dinheiro para atender a tragédias. Vi, por várias vezes, o termo “desastres”. Se alguém viu diferente, por favor, me avise. Eu posso ter criado.

 

O que é tragédia e o que é desastre? Isto que estamos vivendo hoje é o quê?  Estou perdido.

 

O Orçamento Público da União aprovado para 2020 (para o Brasil todinho) foi de 3,6 trilhões de reais.

 

Numa rápida pesquisa, vi que o atual governo usou (considerando janeiro de 2020) menos de um terço do dinheiro previsto para desastres naturais. Começa minha confusão daí: o que é natural e o que é desnatural?

 

O dinheiro para prevenir desastres naturais, em 2019, ultrapassou os 300 milhões de reais. Destes, apenas 99 milhões foram liquidados. Ou seja, foi feito alguma coisa com eles. E não pergunte a mim, porque não sei para onde essa cifra foi.

 

Em 2012 eram 4,12 bilhões de reais, para a mesma finalidade.

 

Mas era uma época de petistas e comunistas que a gente nem deve dar ouvidos. Ou: nessa aritmética, o lógico é que, se não foi utilizado, a gente deve dar graças a Deus. Quer dizer que era um tempo bom, onde não havia essas coisas de hoje em dia.

 

Mas, se não foi utilizado para tragédias ou desastres, foi utilizado para quê? Para onde ele foi? Criatura, são somente previsões orçamentárias, deixa de pergunta besta!

 

Eu não sei mais distinguir um do outro: a tragédia do desastre. Conceitualmente, até me arriscaria, se me dessem tempo. Mas a verdade é que estou há uns sessenta e poucos dias isolado/distanciado/trancado em casa sem que ninguém me diga quem vai pagar a conta. A do outro, porque a minha, graças a Deus, não atraso um dia. Viva meu egoísmo!

 

O que eu quero saber é: Por que eu não vejo essa resposta lá no orçamento? Eu estou sendo vítima de uma tragédia ou de um desastre? 

 

Eu até assisti ao vídeo do “foda-se” ou do “passar a boiada” para entender a etimologia destes termos, mas foi complicado, considerando o contexto. Tive até medo de ir à casa do cara da Caixa e ouvir um sonoro “frescurada” por conta do meu home office.

 

Descobri que nosso dinheiro, pra se fazer oficial, nomeia as coisas: inundações, prevenção de desastres, alagamentos, cheias, secas, ações de manejo de água de chuva... Há um acervo lexical que você nem imagina.

 

Descobri também que nosso dinheiro serve para a fotografia em revistas e jornais, para o choro, vídeos mostrando os barrancos deslizando, encobrindo vegetação, matando vidas, sepultamentos coletivos. Não vi essas previsões no orçamento. Descobri que ele não serve a nós, pobres brasileiros, brasileiros pobres.

 

Eu queria até pagar, acabar com isso tudo. Mas não me deixam sair de casa. Melhor ficar e cuidar de mim e do outro, eu escuto. Daí eu fico mais confuso: cuidar da tragédia ou do desastre? Poxa, faz mais de sessenta dias sem sexo aqui em casa. É. Dia desses fui bater uma e lembrei antes do álcool em gel. Porra... brochei! Eu nunca dei e nem comi ninguém com álcool em gel!

 

Fiquei mais confuso ainda.

 

Eu não sei se agora estou falando de tragédia, de desastre ou do novo coronavírus. Este último, você não o vê por quê? Invisível? É não. Vejo-o todos os dias. Sei seu roteiro. É seletivo. Cola em pobres, pretos, favelados. Tem destino certo. 

 

Voltando aos números. O Ministério da Economia informou que dos mais de 250 bilhões de reais destinados para combater a pandemia – poxa, eu nem falei de pandemia ainda - até final de abril, comecinho de maio, já teriam sido utilizados quase 60 bilhões de reais. Segundo o próprio ministério, algo em torno de 23,6% dos recursos. Penso que esse índice está intimamente ligado à invisibilidade do problema. Imagina! Povo cego!

 

Quem nunca viu esse coronavírus que atire a primeira gotícula!

 

Na verdade eu fico é com mais medo. Minha sanidade já não é mais a mesma. E não adianta o “relaxa que tudo isso vai passar”... ou  “creia em Deus...”. Se você diz isso, provavelmente você está em casa com a compra feita, gás comprado, água na torneira, sabão, álcool em gel, “álcool alcoólico”, levantando o copo depois de abrir algumas geladas e pedir a Deus o fim disso tudo.

 

A gente não aprendeu a lidar com o que a gente toca. Nem com a gente mesmo. Considerando o tangível, imagina lutar contra o que se diz não se ver. Que nada! Vai ser mais fácil o exercício orçamentário do próximo ano. Preciso é aprender sobre matemática.

 

EMENTA: Cada gotícula em seu lugar. Cada um em sua casa. Cada um com a sua cor. Cada tiro apontado para aquele lugar. Cada um como Deus quer e consente. Cada um com o seu desastre. Cada um com a sua tragédia. Tem alguém para me enterrar? Deus me livre! Vai com Deus!

 

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