A delação que envolve Kátia Abreu e o benefício da dúvida

O Jornal Nacional incluiu o nome da senadora na lista dos que receberam dinheiro da Odebrecht via doações não regulamentas. Para no dia seguinte, corrigir a informação em nota

Senadora Kátia Abreu
Descrição: Senadora Kátia Abreu Crédito: Foto: Da Web

Estamos vivendo dias difíceis, em que a República está em frangalhos. Exposta até as vísceras naquilo que todo mundo desconfiava, mas não podia até então afirmar com todas as letras. A maldita corrupção, que desvia dinheiro público para o benefício e interesse de alguns, ainda assombra-os para a luz do dia e tem sido vista sem retoques no espelho de um Brasil que quer ser passado a limpo.

 

O que se observa no entanto, é que até esse processo serve a interesses de grupos, que infelizmente, é mais um jogo, que não visa o interesse da coletividade, mas a retomada do poder por parte de quem o perdeu, lá atrás, e não conseguiu recuperá-la no voto.

 

Parênteses...

 

Como entender as atitudes de um juiz, que veste o papel, hora de advogado e hora de promotor, e se congratula em público e se deixa fotografar com acusados de corrupção na operação que ele próprio conduz? Que vazou para a imprensa áudios obtidos ilegalmente, para derrubar um governo eleito e até então cercado de todas as garantias constitucionais?

 

Num país em que até juiz federal joga para a plateia e é transformado em herói nacional, quando claramente se presta a servir o interesse de um partido, a ignorância grassa como instrumento bem manejado por poucos. É isso que tem feito o juiz Sérgio Moro.

 

Atende ao princípio de que é preciso incitar a massa e com isso atingir o objetivo. O perigo é o que pode vir depois...

 

Fecha parênteses.

 

Faço essa introdução para chegar aos efeitos da delação que os executivos da Odebrecht começaram a fazer sobre pagamentos que a empresa fez em espécie a políticos e seus representantes.

 

São valores assombrosos. E os nomes que vão surgindo fazem cair em desgraça, perante a opinião pública, boa parte dos políticos mais influentes do país. No Tocantins, o noticiário que foi ao ar desde sexta-feira, coloca em dúvida a reputação, até aqui irrepreensível, da senadora e ex-ministra Kátia Abreu.

 

É um trecho curto, do depoimento de Cláudio Filho, diretor de Relações Institucionais da empresa, com livre trânsito em Brasília. Ele começa contando a história para ilustrar o comportamento de políticos que usariam seus mandatos ou poder de influência para pedir apoio para suas campanhas eleitorais.

 

Conta o episódio de um telefonema que ele fez à senadora, para pedir apoio para a campanha. Ela teria usado o nome de Marcelo Odebrecht, presidente da companhia. Cláudio não a conhecia e foi conferir com o chefe, que por sua vez negou que tivesse dito a ela para procurá-lo, afirmando que providenciaria o apoio por outra via.

 

A via, afirma o delator, teria sido Mário Amaro, diretor de um dos braços da empresa no Tocantins.

 

E aí vem o mais interessante. O diretor, que tem e-mails, datas e valores de pagamentos exatos e detalhados de tudo que fez na saga de trocar dinheiro por favores em Brasília, não sabe afirmar quanto a empresa teria repassado à senadora, nem quando, nem em que circunstâncias, nem através de que preposto.

 

Fala como quem escutou uma conversa de corredor, que sabe que o apoio foi feito, mas não sabe exatamente como.

 

Um testemunho desse não se encaixa, em absoluto, nas regras do que deve conter uma delação para ser considerada. Mas serve para manchete de jornal.

 

O Jornal Nacional incluiu o nome da senadora e do senador Romário, na lista dos que receberam dinheiro da Odebrecht via doações não regulamentadas. Para no dia seguinte, corrigir a informação em nota na edição de sábado. Os dois nomes foram retirados da lista.

 

O estrago, no entanto, já foi feito, para deleite de inimigos e adversários, que não são poucos no caminho da senadora.

 

Nas redes sociais, onde a indignação legítima se mistura com acusações e ataques de toda natureza, muitos expressam decepção com Kátia Abreu, por considerarem que ela era a única que vinha sobrando com a reputação intacta no cenário político do Estado, abalado pelas diversas operações deflagradas nos últimos meses pela Polícia Federal.

 

O que preocupa quem assiste com um pouco mais de frieza essa onda que tomou conta do país, são os excessos.

 

Ninguém está preocupado com os bandidos, com os integrantes de verdadeiras quadrilhas do colarinho branco, feitas para lesar o patrimônio público. O risco é misturar tudo e todos num balaio só. E aí é preciso enfrentar uma realidade...

 

Existe um sistema político no Brasil que até a última eleição era de captação de recursos de empresas para bancar campanhas. Gentileza devolvida, por óbvio, com a defesa de interesses das empresas nas suas relações com os governos. É assim que funciona nas três esferas: Municipal, Estadual e Federal. Este é o jogo. Negar sua existência é hipocrisia. Quem não levanta recursos para fazer campanha, perde a eleição. Seja no Tocantins, no Rio Grande do Sul, em São Paulo, ou em qualquer lugar.

 

Isso precisa mudar, está mudando, mas até então era uma prática usual, corriqueira e legal.

 

A delação do fim do mundo, como está sendo chamada, compromete muita gente. Mas destrói mesmo, com valores, datas e detalhes, diretamente, o presidente da República, Michel Temer. Ele sim, é acusado de cobrar milhões para bancar as campanhas do PMDB. De operacionalizar esse recebimento via Eliseu Padilha e Moreira Franco. A delação atinge em cheio e desmonta o governo ilegítimo, fruto de um golpe mal calculado.

 

A República está em frangalhos e os direitos dos trabalhadores, duramente conquistados nas últimas décadas, estão sofrendo ataques diários: o congelamento dos gastos em áreas primordiais como saúde e educação, até a mudança absurda da previdência, que vai tirar o direito da aposentadoria sagrada de tantos.

 

O grupo que se apoderou do poder por outra via que não as urnas, está completamente comprometido com as práticas que devia combater.

 

O momento é grave. O futuro do país e das instituições é incerto. No meio de tudo isso ouso dizer que ainda é preciso manter a esperança de que nem todos sejam iguais.

 

Kátia Abreu se fez deputada federal, senadora e ministra, aprendendo a sobreviver nesse meio e sair com vantagem dele. Maneja o poder como poucos, mas o tem manejado em favor dos interesses dos segmentos que representa, e do povo do Estado do Tocantins.

 

Até aqui, por tudo que fez e que tem sido, ela merece, no mínimo, o benefício da dúvida.

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