A falácia do Distanciamento Social Seletivo faz o TO tomar um caminho perigoso

Sem testar em massa os sintomáticos da Covid 19, sem identificar a cadeia de disseminação do vírus, e sem leitos em número suficiente para possíveis contaminados, Tocantins pega um caminho perigoso

Isolamento vertical: retirar apenas grupos de risco de circulação
Descrição: Isolamento vertical: retirar apenas grupos de risco de circulação Crédito: Da Web

A notícia alardeada nacionalmente de que o Tocantins não tinha sequer um óbito e era o Estado de menor transmissão do Sars-Cov-2, vírus de diversas mutações, que causa a Covid-19, mostrou-se um gol contra.

 

Se na semana passada o Jornal do Tocantins informava que a União buscava áreas na capital para instalar um hospital de Campanha para o enfrentamento ao vírus, isolando os contaminados, na segunda-feira a noite fomos surpreendidos com o decreto 6.083, do governo do Estado, recomendando que prefeitos reabram o comércio não essencial. É um experimento. Uma ilusória volta “ao normal”. 

 

Não existe normal para se voltar. 

 

Tomar decisões é uma tarefa difícil. Administrar a necessidade de garantir o direito à saúde pública em meio a uma pandemia, mediante pressões políticas e do empresariado, também não é fácil. A quem governa cabe tomar decisões.

 

A questão é que cada decisão é uma escolha. E cada escolha tem suas consequências.

 

Parênteses...

 

Infelizmente, amanhecemos nesta quarta-feira, 15 de abril, com a notícia da primeira morte de uma paciente contaminada com a Covid-19 em Palmas. Servidora pública do município, Romana tinha 47 anos, e teve a morte cerebral constatada na tarde de ontem, quando um neurologista foi chamado pela família para avaliar o quadro.

 

A notícia do óbito veio as 22h30. A família foi informada primeiro, conforme praxe. A informação foi tornada pública pela prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro. A Prefeitura Municipal entra em luto oficial de 3 dias a partir de hoje, quarta-feira.

 

O clima na cidade é de tristeza e abatimento entre os que conheceram a servidora de perto. De compaixão, por quem tem este sentimento. De preocupação pelos seres humanos normais.

 

A tragédia mostrou estar mais perto de nós. Quando as estatísticas registram o primeiro óbito. Quando a pessoa que morre tem um nome e uma história, numa cidade enorme, e ao mesmo tempo, pequena.

 

Fecha parênteses.

 

Ministério da Saúde muda os nomes para “recomendar” o que não funciona

 

É preciso que as pessoas saibam que mesmo não querendo politizar, ou fulanizar esta discussão, há uma orquestração política em tudo que tem sido feito em torno do controle e do descontrole desta pandemia no Brasil. O presidente da República é um negacionista. Reconhecido mundialmente por lidar mal com o problema, uma vez que prefere negá-lo e banalizar seu peso e importância.

 

Ameaça a cada semana demitir seu ministro da Saúde. Luiz Henrique Mandetta amanheceu nesta quarta informando aos auxiliares que deve ser demitido ao final do dia. Ele que já fez tantas concessões, mas que lutava para dar um pouco de racionalidade às ações do governo federal no enfrentamento da pandemia.

 

Com esse pano de fundo, fica fácil entender a guerra que acontece internamente no governo federal, entre ministros, e a tentativa de impor o discurso do presidente ao Ministério da Saúde.

 

Fui ler os boletins epidemiológicos citados pelo secretário chefe da Casa Civil, Rolf Vidal em seu Twitter pessoal ontem. Os mesmos citados no decreto. 

 

Alí, fica clara a falácia do texto do Ministério da Saúde. Isolamento horizontal, o que abrange todas as pessoas, segmentos e grupos de risco, foi transformado em DSA – Distanciamento Social Ampliado. O isolamento vertical, que busca retirar de circulação apenas os chamados “grupos de risco”, foi reapelidado de DSS – Distanciamento Social Seletivo.

 

A mentira colorida com outros tons. Isolamento vertical não funcionou nem em países de primeiro mundo. Como funcionará no Brasil? Como funcionará no Tocantins? Não há hipótese disto dar certo.

 

A recomendação é para que onde o vírus não comprometeu 50% ou mais da quantidade de leitos que haviam antes do começo da pandemia, seja feito o relaxamento,  a flexibilização do isolamento. O Tocantins separou 14 leitos para atender casos da Covid-19, e três leitos de UTI. Que nunca foram usados.

 

Mas como estes leitos serão ocupados se a política é testar minimamente os sintomáticos do Vírus, e mandar diversos doentes para se isolar e se cuidar em casa com dipirona?

 

 

Temos casos concretos de pacientes com sintomas, despachados para casa, seja de hospitais privados, seja na rede pública. Com o recado de que só voltem em caso de piora. Ou seja: quando precisarem ser entubados. 

 

Num Estado em que faltam testes, o Lacen trabalha a passos lentos, fazendo testes manuais que levam entre 6hs e 12 horas para ficar prontos, podemos acreditar que temos apenas 26 casos?

 

É muita ilusão.

 

Os 150 testes dos primeiros pacientes, foram enviados para o Hospital Adolfo Lutz em São Paulo e até a semana passada não haviam retornado os resultados, me disse o secretário de Saúde do Estado. Quando chegarem, os positivos servirão apenas para engrossar estatísticas. E quantos positivos terão contaminado outros e outros? Não é possível saber.

 

Mas mesmo assim, temos o direito de conhecer os números. Isto não é uma brincadeira. É grave.

 

OMS recomenda medidas para que relaxamento seja possível

 

Até para relaxar as medidas de contenção, é preciso regras. A própria OMS sugere, em material publicado pelo Uol, que cada etapa da flexibilixação, seja feita de duas em duas semanas.

 

Não se lê nos boletins epidemiológicos nenhuma orientação prática desse passo a passo.

 

Para liberar a circulação de pessoas, é preciso: testar em massa, identificar a cadeia epidemiológica do vírus, isolar os contaminados, tratá-los.

 

O Tocantins já consegue fazer isso? É evidente que não. Ao decidir recomendar o fim do isolamento horizontal no Estado, o governo contraria a orientação do STF, diversas ordens judiciais já emitidas contra a reabertura total do comércio em diversas cidades do Tocantins. E infelizmente se alinha a estados onde o partido do presidente da República governa. Mato Grosso, Rondonia e Roraima, adotaram a flexibilização. Mas nenhum deles permitindo abertura de portas 100%. Onde isso ocorreu, em Santa Catarina, a reação nas redes foi tamanha que o governo teve que recuar, diante da hastag #SCnãoquermorrer.

 

Há uma enorme sub-notificação no Estado. Já se tem notícia de caso de contaminação comunitária, ou seja: gente contaminada que não se pode afirmar de que origem contraiu a doença. 

 

Infelizmente o vírus é um inimigo invisível e silencioso, que só pode ser combatido com método científico, com critério.

 

Não se decreta o fim de uma pandemia. Não se pode dizer estupidamente “vencemos a Covid-19”. Este é o tipo de ignorância que se paga com a vida.

 

O Tocantins, primeiro estado a tentar sair do isolamento, via decreto, termina sendo uma cobaia num jogo político em que o presidente busca aliados para seu negacionismo.

 

O governo por outro lado ouviu a necessidade de setores do empresariado. E tenta reverter 65% de perda na arrecadação nas últimas semanas. Está errado em tentar equacionar as necessidades? Não. Mas precisa ter método para isso. 

 

Para acalmar a populacão, notícias de que o Estado está preparado, com leitos de UTI para atender o agravamento da crise, começam a circular.

 

Apesar dos esforços, as chances de dar errado, está provado estatisticamente: são muitas.

 

Por enquanto, que Deus nos proteja, por que com a população circulando e os parcos recursos disponíveis na saúde,  não teremos muitas chances contra a agressividade deste vírus.

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