A lei da bala mata mais que bandidos, ou: de volta ao faroeste, perdemos a alma…

A morte do Sub-Tenente Milton no sábado despertou revolta na polícia militar e inconformismo nas ruas: a comoção tomou conta das redes e a resposta veio rápida: à bala. E nós, como lidamos com isso?

A bandidagem em Palmas recebeu recado claro na madrugada desse domingo,2: não se metam a matar polícia. Matou, morre. É a lei da bala,como nos velhos filmes de faroeste, onde o Xerife usava estrela de prata no peito.

 

As opiniões se dividem, mas a maioria dos comentários que li no Facebook demonstram um claro apoio de parcela significativa da população ao mandamento do antigo testamento: olho por olho, dente por dente. Ou: “bandido bom, é bandido morto”.

 

A tolerância está cada vez menor até para crimes banais, como os exemplos de surras e linchamentos de gente que rouba… comida em supermercado. É o que se vê nos jornais e na TV.

 

Há dois alertas aí que precisam ser acesos.

 

O primeiro é que estamos regredindo como sociedade que deixou de lado os velhos duelos, para resolver questões de honra. Que deixou de lado a lei do mais forte, para criar o conceito da justiça equânime. Que evoluiu ao longo do tempo para reconhecer a vida em sociedade como algo mais complexo do que um mundo onde os fortes prevaleciam sobre os fracos, naturalmente.

 

O segundo alerta é que a falência do sistema de segurança é evidente diante da opinião pública. No geral, há uma crença estabelecida de que a Justiça não é para todos. Nem trata da mesma maneira ricos e pobres. Ou brancos e negros. Os militares e civis. Enfim, de que a justiça é um conceito empírico, que não funciona… 

 

Por um lado cada vez é mais forte a sensação de que os filhos de ricos, de juízes, promotores, desembargadores, de políticos, seguem aprontando e se livrando. Quando são punidos, de alguma forma conseguem se safar, e se não se safam, quem coloca fim à sua liberdade, paga o preço.

 

De outro lado há os números, que confirmam a máxima de que: a polícia prende, a justiça solta. E muitas e muitas vezes a polícia prende os mesmos hoje de manhã para vê-los soltos amanhã à tarde. Debochando. 

 

E ainda: a crença de que a justiça é lenta para julgar, lenta para condenar e cheia de brechas para atenuar as penas.

 

De modo que cresce na sociedade a impressão de que ultimamente, o crime compensa… Pelo menos o crime comum. E que heróis são os que nos salvarem desse clima de insegurança. Mesmo que seja na lei da bala. Sem prisão, sem julgamento.

 

Talvez por isso, mas não só por todos esses motivos, centenas e talvez milhares de pessoas tenham torcido, incitado e manifestado claramente nas últimas 48 horas o desejo de que a polícia executasse os dois assaltantes que entraram na casa do Sub Tenente Milton, na região Sul de Palmas e dispararam contra ele no tórax, agrediram sua esposa no rosto e fugiram levando o carro da família.

 

O Sub-Tenente, a imagem de um policial do bem. Do tipo que era instrutor de música, cantor evangélico, da paz, e afirma-se: nem tinha arma em casa. Seu corpo foi levado pelas ruas de Palmas até o aeroporto como um mártir. Não era ele apenas que havia tombado. Aquele caixão carregava de certa forma todos os militares mortos por criminosos. Mortos em serviço, mortos à paisana, perseguidos em casa pelos tentáculos do crime organizado.

 

Dar uma resposta rápida à sociedade era necessário, disse o Comandante da PM, Coronel Gláuber.

 

Um rapaz relativamente novo, pai de uma bebê, que a mãe protegeu dos assaltantes, despertou um sentimento catártico. Mas ficou colada no alívio, uma perigosa impressão: a de que a justiça e a vingança andam de mãos dadas.

 

Uma história triste, lavada à sangue em menos de 48 horas. Li numa rede social, de um outro militar, que conheço: “os assaltantes não resistiram aos ferimentos após a troca de tiros com a polícia”(sic). Não. Não resistiriam mesmo a tamanha ânsia de fazer pagar rapidamente pela vida do Sub-Tenente, os responsáveis por sua morte.

 

O que me resta dizer é que estamos perdendo a alma. Não existe salvação em uma sociedade violenta, quando as regras não são para todos. Quando a lei toma a forma que melhor se adequar às circunstâncias.

 

Se formos por aí, estaremos perdidos. Desejando a vingança como exemplo.

 

A polícia tem que ser respeitada? Sim. Sem dúvida. Vale mais a vida de um bandido ou de um policial? 

 

Para as mães dos dois, ou dos três mortos este final de semana, valem igual. 

 

Para a sociedade, o policial deve ser preservado, por que é ele que a defende dos desviados. Como vários que vemos por aí, se desviando de uma vida dentro das regras da sociedade para correr por fora, e fazer as suas próprias. Um dos que morreram era ex-militar do Exército. Em que momento sua vida mudou? Talvez a gente nunca vá saber.

 

Mais do que o apoio à ação rápida e dura da polícia, repleta de elogios nas redes sociais, os comentários mostram ainda outra nuance: a reclamação de que a resposta não é tão rápida para crimes que envolvem civis, que envolvem pessoas sem expressão social, sem poder, sem fama.

 

Triste situação a que chegamos. Ela requer mais do que reflexão, por parte de quem comanda a Segurança no Estado, ela requer ação. 

 

É preciso urgentemente resgatar a justiça para todos. Ágil, sem preferências. Reformar o sistema prisional. Antes que voltemos aos tempos da lei da bala. Onde matou, podia encomendar o terno e o caixão, por que era certo morrer. 

 

Com o apoio irrestrito da sociedade.

 

Neste domingo, confesso, vou dormir também aliviada. São menos dois ou três bandidos armados nas ruas. Do tipo cruel, que mata sem pestanejar. Mas não sei se vou dormir bem, por que no fundo do peito carrego uma angústia e uma dúvida comigo: que mundo é esse que vou deixando para os meus filhos?

 

Por hora, um mundo desigual demais. Injusto demais. Desumano demais. Por hora, falhamos como sociedade. E é preciso enfrentar isso.

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