A Lista de Fachin e o fim do mundo como conhecemos: que venha logo!

A lista de Fachin reúne nomes do primeiro escalão da política nacional, e muitos, de peso da política tocantinense. Todos devem explicações, mas o melhor é que o sistema pode mudar a partir de agora

Crédito: Foto: Divulgação

O ano era 1998. Campanha ao governo do Estado, com Siqueira candidato. Eu, militante do movimento estudantil em Palmas, presidente do DCE da Ulbra. Meu comitê, na antiga Arse 51, numa casinha daquelas dos funcionários públicos, alugada.

 

O comitê era uma festa. Minha turma, jovens secundaristas, a galera da universidade, os amigos iam e vinham. Tinha cozinheira, almoço para todo mundo que ia para a rua distribuir panfleto e pedir voto, tinha batucada no final da tarde, viagem pelo interior…

 

Era um tempo em que se podia fazer quase tudo: camisetas, bonés, brindes, shows com cantores famosos. O que nunca pode foi comprar voto. Pelo menos não na letra fria da lei. 

 

Minha coligação só aceitava candidatos que não tivessem mandato. Era para ser uma chapa leve, que permitisse relativo equilíbrio entre os candidatos, e em tese, dando acesso ao que trabalhasse melhor seus votos nas ruas, chegar a ocupar uma cadeira na Assembleia.

 

Foi aí que entraram dois nomes “da pesada” no nosso grupo. Carlos Gaguim e Celso Mourão. O primeiro era vereador em Palmas, conhecido pela forma como fazia campanha na reta final. E o outro, irmão do então deputado federal Paulo Mourão. Eles com certeza desequilibrariam o jogo, como de fato, desequilibraram. Me lembro do meu companheiro de chapa no PSB, também vereador Eduardo Gomes, candidato a deputado federal, numa conversa: “tem que falar com o Eduardo. O Gaguim vai chegar na reta final e despejar na boca de urna. Tem que denunciar isso”.

 

O “pirata” ainda era novo no jogo. Fui falar com Eduardo. E escutei: “denunciar? isso não se faz. Tem que conseguir meios de neutralizar ou equilibrar o trabalho dele”. Outros tempos.

Cada candidato com sua “cotinha”, que a gente não sabia de onde vinha, nem como seria declarada. Campanha toda terceirizada, da captação à prestação de contas. Nosso trabalho era buscar o voto. Os meus 1.100 ajudaram a fazer legenda para os dois “cabeças”: Gaguim eleito estadual pela primeira vez e Celsinho (aliás muito gente boa), suplente.

 

Por que relembro essa história hoje, em plena ebulição da famosa “Lista de Fachin”, que vai investigar o derramamento de dinheiro, via caixa dois, que a Odebrecht fez, sistematicamente, na campanha de políticos influentes de todo Brasil?

 

Porque desde que me entendo por gente e acompanho a política no Tocantins, o caixa dois existe. É um dinheiro que entra por fora e desequilibra o jogo. Quem capta mais, compra mais apoio. Afinal, desde que o mundo é mundo, duas coisas definem uma eleição: dinheiro e voto. Tem que ter o primeiro para bancar “estrutura”, salários de “lideronças”, e a famosa “reta final”, onde não pode faltar gasolina, carreatas e a boca de urna. E o segundo termina sendo consequência do primeiro. Apoio de prefeitos depende de obras, e outras coisitas mais.

 

Aí, vem outra história… tenham um pouquinho de paciência, porque essa é boa.

 

Estou eu no meu comitê da 51, naquele 98, quando meu coordenador de campanha, companheiro de militância na Ulbra, e bom de animar uma roda tocando timba, Denis Amui, entra na sala e diz:

 

- Chefa, tem um rapaz aí pedindo um tanque de óleo. A história dele é boa, quer ouvir?

 

Fui lá.

 

Era um rapaz magro, na faixa dos 40, moreno, quase negro, com um boné na cabeça e roupa surrada.

 

Me contou que tinha um irmão no Pará, trabalhando numa fazenda, e que tinha sido picado por cobra. Que onde ele estava era lugar de difícil acesso. Tinha sido socorrido, mas a família queria buscar para ver se salvava.

 

Um amigo tinha um caminhão, mas ele estava precisando de combustível, e não tinha o suficiente para ir e voltar.

 

A história me comoveu. Iam de caminhão para trazer o irmão, a família dele e a mudança.

 

Mandei encher o tanque e dar mais um galão daqueles grandes de óleo para ele.

 

Não sabia nem se o homem tinha título, ou quantos votos eram.

 

Fiquei satisfeita de ter feito uma boa ação.

 

Até que os anos se passaram. E 2002 chegou.

 

Eu diretora do Procon, nem ia ser candidata. No lançamento da obra da ponte que dá acesso ao aeroporto, pela Theotônio Segurado, acima da Ulbra, Siqueira me intimou. “Acho que a senhora tem um bom trabalho, um bom nome. Já entregou o ofício?”. Estavam presentes o Coronel Napoleão e o Bonfim.

 

Fui para a campanha, mas já não era mais do famoso “grupo do Eduardo”. Por que tinha isso…rs. O candidato ao governo era Marcelo Miranda. Também não era do grupo dos Miranda. Conclusão: fui para a campanha, sem apoio de ninguém, fiquei rodada, Siqueira adoeceu, e fiquei sem as duas coisas: dinheiro e voto. Segurei apenas os meus, coisa um pouco acima dos 1700, a maioria em Palmas.

 

Mas o melhor é que reencontrei o rapaz da cobra.

 

O comitê tinha mudado de lugar, minha base maior eram os Aurenys, e o cidadão não lembrava de mim.

 

Só que eu me lembrava direitinho dele.

 

Chegou com a mesma história: o irmão tinha sido picado por cobra numa fazenda do Pará.

 

Eu escutei pacientemente até ele pedir o óleo diesel para o caminhão.

 

Quando ele terminou eu falei:

 

- Moço, mas que falta de sorte, hein? Seu irmão ser picado a cada quatro anos. Deixa eu te falar: procura outro idiota para te ajudar dessa vez.

 

E dei as costas.

 

Hoje acho graça, mas na época fiquei injuriada.

 

Por que conto essa história?

 

Porque nosso sistema político tem sido feito disso, com raras exceções. O eleitor engana o candidato, e o político eleito engana o eleitor. Compra o mandato com ajuda de empresas e paga a dívida com o voto que deveria ser instrumento de representação.

 

Ao longo dos últimos anos, voltei a fazer o que sei de melhor: escrever, reportar, analisar. Quando me perguntam por que nunca mais me aventurei na política sempre respondo que do jeito que o sistema é, não me atrevo.

 

Na lista de Fachin estão muitos que conheço bem. Alguns se tornaram sobreviventes, aprendendo a lidar com esse sistema, e usá-lo a seu favor. Outros se deram muito bem, enriqueceram a olhos vistos, fazendo da política um bom negócio. Eu não tive estômago, nem estrutura psicológica para isso.

 

Por isso quando vejo hoje o mundo despencar não acho normal, nem perdoável.

 

Quero mais é que caia tudo. Caia todo.

 

Se a Lava Jato fizer isso por nós, terá cumprido seu papel: o de zerar o jogo.

 

Só que este mundinho podre não muda punindo apenas o político que pega o dinheiro e monta uma estrutura desigual e paralela. Tem que punir também quem vende o voto. Ou arranjar um mecanismo para acabar com isso.

 

Aguardo ansiosa a próxima eleição para governador. Quero ver como vai ser esta campanha, já que as empresas não poderão mais doar. Pessoa física que doa tem que estar com tudo muito bem explicado na sua declaração de imposto de renda. 

 

Espero apenas que o mundo da política não se transforme num reduto de milionários, feito apenas daqueles que podem bancar, e bem, suas campanhas.

 

Todos devem explicações na lista de Fachin, mas enquanto o eleitor andar atrás de políticos para pagar uma cirurgia, comprar um milheiro de telha, fazer uma viagem, ou arrumar um emprego só para receber sem trabalhar, o mundo não muda.

 

Corrupção exige duas pontas, no mínimo: o corruptor e o corrupto. É uma relação em que não existem inocentes.

 

Como diria o velho Salô: É, pois é… É isso aí.

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