A trágica partida de Ludimila e o alerta sobre as condições de uso do Lago

Familiares, amigos, colegas de trabalho e gente que nem a conhecia, choram a partida da triatleta Ludimila Barbosa, acidentada durante forte chuva que caiu sobre o Lago da UHE do Lajeado no domingo

Ludimilla faleceu nesta terça-feira, no Hospital Geral de Palmas
Descrição: Ludimilla faleceu nesta terça-feira, no Hospital Geral de Palmas Crédito: Divulgação

Uma mulher jovem saiu de casa no domingo, dia 2, para fazer a 6ª Etapa do Circuito Estadual de Maratona Aquática do Tocantins. Deixou seus dois filhos, de 12 e 6 anos, para cumprir mais uma etapa de superação do que nos últimos meses havia se tornado mais que um esporte, uma nova etapa significativa de sua vida. Ludimila, tão querida por tantos, não voltou mais.

 

Nem voltará, segundo informou nas primeiras horas do dia, em nota, a equipe que a assistiu no HGP desde que para lá foi levada, com o pé dilacerado. Seu caso lembra o de outra moça jovem, que teve a perna amputada também num acidente com lancha, em outras circunstâncias, no mesmo Lago. Ludimila no entanto não teve a mesma sorte. Choque hipovolêmico. Paradas cardíacas. Muito sofrimento para o corpo. Dores que cessaram na alta madrugada.

 

Não é de hoje que o Lago da UHE do Lajeado traga vidas, inspira preocupação e sugere cuidados sobre seu uso.

 

A morte da professora da rede municipal de ensino de Palmas, Ludimila Barbosa de Oliveira, de 40 anos, ocorrida na madrugada desse 4 de dezembro em Palmas, é dessas coisas sem explicação que causam comoção e trazem à tona diversos questionamentos.

 

O primeiro, mais preemente, é sobre a razoabilidade de se manter uma prova extensa – trechos de 1,5 km e 2,5 km – com o evidente mal tempo que já fazia minutos antes da competição começar.

 

Diferente do mar, que no mal tempo ergue ondas esporádicas, a lógica das marolas do Lago formado pela Usina é bem outra. Com a chuva forte, as marolas se formam adquirindo força e se multiplicando. O nadador retira a cabeça da água e é novamente golpeado sem saber de onde. Com a chuva forte, a visibilidade fica seriamente comprometida. O que fatalmente tem consequências imprevisíveis.

 

Além dos acidentes corriqueiros e recorrentes com embarcações particulares cujos donos se deixam ficar até não conseguir retornar às margens com segurança, muitos outros aconteceram nos últimos anos, desde que morreu Arnaud Rodrigues, tragado pelas mesmas águas.

 

Não é novidade para ninguém que usa o Lago - nem para atletas e organizadores dessas provas - o que é possível acontecer durante os verdadeiros temporais que caem em Palmas durante o período chuvoso. E estamos em pleno dezembro.

 

O que aconteceu com Ludimila é uma tragédia que sem dúvida abalou não só os atletas da equipe dela, ou os colegas de trabalho da educação no Município, seu círculo de amigos e parentes. É a tragédia que, pelos elementos que envolve, solidarizou mulheres e homens que nem a conheciam, o Corpo de Bombeiros, que cumpria sua missão de dar socorro e teve um dos seus botes e seu condutor envolvidos no acidente, políticos, instituições.

 

E este é o segundo ponto que precisa ser esclarecido, e com certeza o será no decorrer das investigações que serão feitas sobre o acidente.

 

O bote inflável fazia o percurso na tentativa de identificar e buscar os atletas que precisavam de ajuda e já estavam sem condições de concluir a prova mediante o mau tempo. Testemunhas afirmam que Ludimila, assim como outros atletas, havia perdido a visibilidade e se distanciado da área demarcada com as boias. 

 

Na manobra entre resgatar um atleta e buscar outro, a hélice localizada na traseira do bote atingiu a professora. Esses botes, além da fragilidade, não têm protetor de hélice. No Brasil seu uso não é obrigatório... 

 

Mulher, jovem, buscando superar seus limites, Ludimila lutou bravamente pela vida nas horas que se sucederam ao acidente – foi retirada da água pouco antes das nove da manhã do domingo – já com bastante hemorragia e, segundo quem viu, praticamente sem o pé.

 

O que se seguiu foram horas de agonia, dor, orações por ela. A prefeitura de Palmas mobilizou avião para trazer o marido, que segundo circula estava há duas semanas fora de casa. A diretora do CMEI onde ela dava aulas cuidou de seus filhos. A mãe, cardíaca, foi poupada das informações mais difíceis até a manhã desta terça-feira.

 

Um cenário cheio de componentes que comovem, sensibilizam, mobilizam e fazem com que a dor se estenda e gere uma empatia sem precedentes.

 

O que se ouve agora é que não adianta buscar culpados e que as pessoas diretamente envolvidas no episódio que tirou a vida de Ludimila já estão abaladas o suficiente com os fatos.

 

É verdade. O tempo não volta, os fatos não mudam e esta história não pode ser reescrita com outro final.

 

Por outro lado, é preciso, sim, compreender o que aconteceu de errado. Para que outras vidas não se percam da mesma maneira.

 

A Federação Aquática do Tocantins, que organizou o evento, sustenta que respeitou as regras nacionais e internacionais de segurança na água e que “todas as providências legais estão sendo tomadas”. Desculpe. Não é o bastante.

 

Se todas as regras foram obedecidas está faltando uma que permita avaliar as condições de segurança de uma prova na água, nas condições desse Lago. Que permita aos organizadores o bom senso de frustrar os atletas e suspender uma etapa por que ela tem risco potencial de tirar a vida de pessoas.

 

E pensar que atletas mirins atravessaram o lago nas mesmas condições. Quem estava lá conta que quando os nadadores da etapa de 1,5 km estavam concluindo a prova, já chovia torrencialmente. E os que nadariam 2,5 km ainda estavam pelo meio das águas turbulentas do lago.

 

A verdade é que este Lago precisa de regulamentação mais severa do seu uso, fiscalização e punição para quem desobedece as normas.

 

Não é só a questão da insegurança em dias chuvosos. A imprudência de condutores de embarcações de lazer é gritante. A proximidade com que proprietários e usuários de Jet-Skis e lanchas passam pelos banhistas. A descarga de todo tipo de lixo nas águas. São temas recorrentes e que não podem mais ser evitados.

 

Mas, acima de tudo: este lago, em período chuvoso, é fatal e requer muito cuidado.  É preciso regulamentar seu uso sim, para que as águas profundas e pesadas dessa imensa “panela” não continuem a fazer vítimas.

 

Nossa imensa solidariedade à família de Ludimila, seus amigos e todos que a amaram de perto e sofrerão sua perda, tão prematura.

 

Que fique o alerta aos diretamente envolvidos: não se trata de culpar ninguém. Foi uma sequência de fatalidades. Mas é preciso repensar sim. E ter a coragem de parar um evento, seja ele estadual ou nacional, independente do prejuízo que isso possa eventualmente causar.

 

Simplesmente por que vidas, como a de Ludimila, valem mais.

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