Farinha pouca, meu pirão primeiro: urnas vão transformando Tocantins num falido RS

O prognóstico mais exato do que aconteceu nas urnas tocantinenses neste domingo, 3 de junho, e de suas consequências daqui em diante partiu do candidato do PSOL, Mário Lúcio Avelar, ao final da votação.

 

“Aprofunda-se a crise econômica e social vivida pelo Estado após a cassação”. 

 

A responsabilidade sobre este resultado, que coloca no segundo turno - e em primeiro lugar na preferência dos que votaram - o governador/candidato pode ser divida entre os que votaram pensando no umbigo e os que não votaram. 

 

Neste último grupo incluo quem foi às urnas, mas cravou branco ou nulo, abrindo mão do direito de decidir entre sete candidatos, com os mais diversos perfis.

 

Em 20 dias, em que pese o otimismo de Eduardo Gomes, pré-candidato ao senado pelo Solidariedade, dificilmente Vicentinho Alves terá fôlego para enfrentar e vencer a máquina e seu poder revertendo a vantagem. A não ser que construísse com os que perderam um grande pacto de governabilidade, abrindo mão de ir às urnas em outubro novamente caso eleito e apoiando o nome mais competitivo de um novo grupo a se formar. Coisa bem difícil de acontecer.

 

O que levou Mauro Carlesse a protagonizar a “onda Carlesse”, de que me falava Goyanir Barbosa na antevéspera da eleição e que veio num crescente nos últimos 15 dias?

 

São vários os fatores, mas o principal chama-se servidor público estadual. Eles, com suas famílias, representam 120 mil votos.

 

Foi neles que o governador interino mirou ao publicar progressões. Ao anunciar pagamento de data-base. Ao acenar com o pagamento de suas pendências que Marcelo Miranda não pagou nos últimos meses, alegando insuficiência de caixa.

 

Este efeito promessa/expectativa. A chamada de concursados da polícia civil. O aceno com um governo de valorização do servidor. Tudo contribuiu para que se ouvisse gente até esclarecida e de luta dizendo: “eu vou pensar agora é no meu, primeiro”.

 

Ou como se diz lá na roça: farinha pouca, meu pirão primeiro.

 

Óbvio que tiveram os contratos. Basta andar pelos Aurenys para ouvir falar deles e seus valores. A segunda maior votação na Capital vem deles. Apoiadores de Carlesse em Palmas sabem bem como funciona a campanha na capital. Lideranças e sua maneira de “trabalhar” o voto.

 

A garantia do apoio dos deputados é outro capítulo a parte. Para não sermos injustos, resta aguardar o resultado da operação da Polícia Federal que apurou na reta final, denúncias sobre pagamentos de emendas, que estavam proibidos e liberação de quitação de dívidas a fornecedores, fala-se nos bastidores, de anos, muitos anos atrás.

 

Cabe ao Ministério Público Estadual, tão diligente quando se tratou de saber o que Marcelo Miranda pagou depois de cassado, dar uma olhada no que pagou o governador candidato em plena campanha.

 

O dinheiro como se sabe, deixas rastros.

 

O que pesou para que a tendência do eleitor se inclinasse em direção ao governador interino, não há o que rodear: foi a máquina e suas benesses, que são várias.

 

Basta ver, por exemplo, a recontratação de 65% dos comissionados e contratos que Carlesse já chegou exonerando. Quais voltaram? os mesmos? ou outros? Por que vias? Pelas mãos e indicações de aliados?

 

Com menos prefeitos lhe apoiando do que Vicentinho, por exemplo, o governador obteve melhor resultado com a soma de várias ações. Mas não é incorreto afirmar que fez o que fez - e já circula hoje que promete pagar as progressões até dia 23, vésperas da votação no segundo turno - corre o risco de quebrar o Estado.

 

Se o governo Marcelo Miranda foi lento, se teve problemas de gestão, algo não se pode negar: administrou numa linha tênue entre a folha e as obrigações com pagamento de dívidas de um lado, repasses aos poderes e contrapartidas de convênios de outro. Parcelando consignados que deixou de pagar aos bancos, renegociando PlanSaúde para não acabar com ele… uma luta.

 

Sendo assim, de onde sobrará dinheiro para Carlesse onerar a folha, pagar progressões e data base, chamar concursados, e promover novos concursos? Não sobrará. 

 

Por isso, o cenário do segundo turno das eleições no Tocantins nos coloca mais perto de um Rio Grande do Sul falido que parcela salários por que não consegue pagá-los. É uma coisa desastrosa o que se aproxima, caso se confirmem as sequentes irresponsabilidades, tão bem apontadas pelo jornalista Luiz Armando em artigo publicado em seu blog semana passada analisando contas e endividamento do governo.

 

Amastha e Kátia fora da disputa, por que?

 

Outra coisa que surpreendeu a quem acompanhava as movimentações na política tocantinense foi que o resultado deixou de fora, de um lado a senadora Kátia Abreu, que percorria o Estado há quase um ano, construindo e debatendo um plano de governo com a sociedade. E de outro Carlos Amastha, que entrou o ano com ares de predileto para fazer a transformação do aparelho estatal com um choque de gestão.

 

A senadora Kátia Abreu vive o dilema de um modelo político esgotado. Suas oscilações de lado a lado, entre os dois grupos políticos que historicamente comandaram o Estado, os quais ela validou (no caso de Siqueira) e legitimou (no caso de Marcelo Miranda e sua briga com o PMDB) cada um deles em momentos diferentes da história, lhe deixou reduzida a seu próprio eleitorado, que é pequeno se comparado ao todo dos votantes do Estado. 

 

“Estou indo para uma missão e não vou comprar a missão”, me disse ela lá atrás, há cerca de dois meses quando falava da sua decisão de disputar. O eleitor não entendeu e não respondeu ao preparo de Kátia com a votação expressiva que acredito que ela teria em 2010, por exemplo, quando tinha 23% das intenções de voto e abriu mão para apoiar Siqueira Campos. A senadora deverá rever sua participação para outubro, e decidir onde depositar seu capital político neste segundo turno.

 

Uma campanha módica, gastando pouco, foi também a opção do candidato do PSB, Carlos Amastha. Fora da Prefeitura, Amastha não teve a máquina municipal usada pela sua campanha nem para ela. Servidores que iam para movimentações durante o expediente tiveram ponto cortado e foram convidados a tirar férias. Outros pediram exoneração e foram para o tudo ou nada.

 

Cinthia Ribeiro não flexibilizou neste aspecto. Nem agiu como alguns esperavam, colocando a Prefeitura dentro da campanha de Amastha. Sua atitude de suspender pagamentos nos primeiros 15 dias até tomar pé da situação e liberá-los de forma paulatina e criteriosa impediu qualquer interpretação de favorecimento a possíveis doadores de campanha. 

 

Pode até sofrer o ônus de críticas internas por causa disto. Ontem à noite eu já ouvia: “se Cinthia tivesse feito isso”, se “Cinthia tivesse feito aquilo”.

 

Não é justo, no entanto, transferir o ônus da derrota de Amastha à sua sucessora. Os 20 mil votos que o ex-prefeito encolheu entre as eleições de prefeito e estas suplementares tem outras explicações. Nada mais desastroso, por exemplo, do que a política fiscal, o aumento exagerado do IPTU, a intransigência em voltar atrás. E finalmente o Tribunal de Justiça barrando o aumento.

 

Faltou também ao ex-prefeito calçar a sandália da humildade. Se recusava a fazer telefonemas para líderes importantes durante a campanha. Ditou tudo no seu ritmo, ouviu pouco os companheiros, achou que se bastava, que ganharia sozinho. Não deu certo. O Tocantins não é Palmas e o eleitor, mais conservador, não entendeu nem engoliu o Amastha dançante, as caravanas com meia dúzia, as imagens vazias. Tudo isso não quer dizer que o ex-prefeito de Palmas não seja competitivo. Ele ainda representa uma alternativa, mas terá também que reconstruir discurso e imagem.

 

Os menores, nem tão pequenos assim

 

Dos candidatos com menor expressão eleitoral, ou em partidos pequenos, com pouco tempo de TV, o grande vitorioso foi de fato Márlon Reis. Seu discurso de justiça, ficha limpa, a verdadeira novidade, colou nas grandes cidades. A campanha com pouco tempo na TV soube aproveitar bem as redes. Seu resultado em Araguaína é surpreendente. 

 

Para agregar as esquerdas em torno de si em outubro no entanto, Márlon precisa deixar de ser… direita. Sua resposta no debate, de que não é nem uma coisa nem outra, remete a uma imagem de quem é direita, mas não assume suas bandeiras desgastantes. 

 

Com um melhor posicionamento em outubro, pode ser… pode ser que construa uma alternativa verdadeiramente competitiva.

 

Já o procurador licenciado Mário Lúcio Avelar não teve a mesma projeção. De toda sorte, acrescentou qualidade ao debate e caso esteja disposto a construir um caminho na política partidária no Estado, pode liderar o PSOl numa candidatura ao legislativo em outubro, com chances reais de vitória.

 

Dito tudo isto, volto ao começo para lembrar dos nulos e brancos, e dos que não saíram de casa para votar.

 

Segundo Josias de Souza em seu Blog hoje, os revoltados entregaram o Estado a oligarquias.

 

Na verdade, a maioria do eleitorado não se envolveu, não se apaixonou. A eleição ao governo, sem deputados, sem federais, sem senadores, passou longe do quintal de muita gente. Foi rápida, e foi distante.

 

Chegar ao tocantinense que segue seu dia a dia sem dar a mínima para quem é o governador ou não, é o grande desafio para outubro.

 

Isso por que esse cidadão é mais numeroso do que o servidor público que decidiu o primeiro turno das suplementares. Tem menos privilégios. Vive sem dependência direta do Estado. Mas é quem mais sofre quando ele é mal gerido.

 

Se as instituições sérias, a justiça eleitoral, o Ministério Público não abrirem os olhos para agir enquanto é tempo, teremos um estado dilapidado pela sanha eleitoral de um mandato de seis meses. E seriamente comprometido até o final do ano.

 

Quando os apressados servem seu pirão primeiro, muita gente fica sem comer.

 

Esta é nossa triste realidade, mas ainda há tempo de despertar, Tocantins.

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