Guerra entre poderes: AL pesa na mão, cruza o limite da coerência e expõe retaliação

A guerra que se assiste nos últimos dias, em que a Assembleia Legislativa subiu o tom com o Governo do Estado para receber o duodécimo a que tem direito - cerca de R$ 33 milhões atrasados - ganhou um capítulo ainda mais tenso na tarde e noite desta quinta-feira, 26, quando esgotou-se o prazo limite para que a Casa aprovasse ou rejeitasse duas medidas provisórias importantes para o Palácio Araguaia.

 

A primeira mostra bem o tom da retaliação política: derrubaram a Secretaria de Articulação Política, ocupada por João Emídio, o homem que, a princípio, responderia pela liberação das emendas parlamentares.

 

Só que na mesma MP que caiu João Emídio, caiu também a Secretaria de Habitação, com  projetos encaminhados no Ministério das Cidades. Isso, sem meia conversa, significa prejuízo nos projetos em andamento. Especialmente por que o governo não poderá enviar, como sugere o deputado Olyntho Neto,  um Projeto de Lei em seguida para criar as pastas e restabelecer a política de redução da alíquota do ICMS para o transporte coletivo, repassando o ônus deste benefício às distribuidoras de Diesel.

 

Medida Provisória com rejeição tácita - que é o que aconteceu com as MP`s de número 40 e 43 - só poderão ser apresentadas em outra forma, no ano legislativo seguinte.

 

A segunda MP que cai, mostra o tom da retaliação financeira.

 

O prejuízo que a Assembleia dá ao governo do Estado com a derrubada deste ajuste de alíquota ainda não foi calculada pela Sefaz, mas enquanto algumas fontes do governo falavam em R$ 70 milhões entre o que se perde este ano e o se terá que devolver às distribuidoras (somando tudo que foi arrecadado nos meses que a MP ficou em vigor, desde o ano passado), outros mais prudentes falavam em R$ 30 milhões. É como um recado direto: não pagaram as emendas, o prejuízo será maior.

 

Nos bastidores, atribui-se a Olyntho Neto uma ameaça velada de derrubar João Emídio, caso não fosse atendido nas suas demandas. Consultado ontem, via WhatsApp, o deputado nega. “De jeito nenhum. Sou bombeiro, só entro em campo para acalmar a situação. Não trato esses assuntos da Assembleia. Isso é tratado entre os chefes dos poderes”, argumentou.

 

O que o deputado quer - diz ele - é que o governo pare de usar Medidas Provisórias indiscriminadamente, governando sem a Assembleia. “Em Goiás o governo não usa mais MP, só Projeto de Lei, que permite a discussão dos temas do jeito que tem que ser”, defende.

 

O fato é que os deputados não foram atendidos. Suas emendas não foram liberadas. E João Emídio caiu, levando com ele a pasta da Habitação e seus projetos em andamento.

 

O fato é que a alíquota do diesel caiu, o que vai permitir que as empresas que pagaram a alíquota maior busquem compensação, devolução e até juros e correções. O consumidor final verá esse dinheiro? Com certeza não. E o prejuízo será dobrado: para quem pagou e para o governo.

 

Talvez os deputados não entendam ainda que com essa manobra, perderam a razão, erraram na mão e podem perder a simpatia (a que ainda existe) da sociedade.

 

O governo enfrenta desgastes inerentes ao baixo caixa que tem para fazer frente a todos os compromissos que é preciso honrar, mas fica difícil entender, penalizar a população nessa briga de gigantes.

 

Um exemplo: o duodécimo.

 

Qualquer cidadão entende que se o governo não entrega o que é da Assembleia, prejudica a Casa, deixa os servidores sem pagamento de salários, etc. Nisso os parlamentares certamente tem o reconhecimento do direito e a solidariedade institucional dos demais poderes afetados - vide Ministério Público, também atrás do seu - mas não quando suas ações afetam diretamente o cidadão.

 

A saída encontrada pelo comando da Casa ontem foi anunciar que a Assembleia aprovará um decreto legislativo para validar (sic) os atos do governo no período em que as Medidas Provisórias estiveram em vigor, evitando devolução de divisas, no caso do ICMS. 

 

“Decreto legislativo tem essa força toda?”, questionei. Ninguém sabe responder com certeza.

 

Um dos pontos que chama a atenção é que se o governo edita Medidas demais, elas podem ser derrubadas no plenário. Desde que sejam colocadas em votação. Um dispositivo constitucional, que determina que com 45 dias uma MP trava a pauta e deve ser colocada em votação, foi ignorado pelo comando da Casa.

 

A tendência é que na leitura do cenário, observadores atribuam o endurecimento exclusivamente ao presidente Mauro Carlesse, em franca pré-campanha pelo Estado. Ontem, por exemplo, passou por Pedro Afonso, Itacajá, numa espécie de Assembleia pelos municípios. Estava acompanhado pela vice-presidente Luana Ribeiro e pelo deputado Wanderley Barbosa.

 

Na nota tímida que fez divulgar ontem, a Diretoria de Comunicação da Casa tenta sustentar que não há animosidade e que a Casa votou outras medidas de interesse do governo, o que demonstraria que não há retaliação.

 

Não é verdade. As duas MP`s foram editadas, reeditadas, e não entraram em pauta como deveria. O governo errou? Se sim, a Assembleia erra em não deixar claramente demonstrado onde.

 

Aliás, um problema recorrente nesta guerra: fica para a população que são os deputados “colocando a faca no pescoço do governo, atrás de dinheiro”, o que não é nada republicano. Ouvindo Carlesse e outros o discurso é outro: a Assembleia entra num período de mais autonomia, em que não aceita votar “goela abaixo” tudo que o governo quer. Pode ser, e o Legislativo precisa de fato ter seu espaço, recursos e poder de voto preservados. Mas o que parece é que a guerra é mesmo outra.

 

Basta ouvir a fala do relator da LDO, deputado José Bonifácio, ao anunciar que vai aplicar um índice de 4,5% nos repasses dos poderes para o ano que vem: “um Estado que lança ponte de mais de R$ 100 milhões,  que pega empréstimo de mais de R$ 600 milhões, tem que ter possibilidade de repor ao menos a inflação”, disse.

 

O que fica dos acontecimentos desta semana é que este é um jogo de forças muito perigoso. Se a tensão entre Executivo e Legislativo não diminuir, quem vai pagar o preço mais alto, é sem dúvida o cidadão.

 

Mais juízo, senhores, mais juízo.

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