Ou a direita lúcida intervém ou Bolsonaro causará enormes danos ao Brasil

A extinção de 35 comitês, conselhos e afins demonstram a inaptidão do presidente da República ao diálogo, a tentativa de invisibilizar setores importantes e frágeis da sociedade. É preciso resistir

Bolsonaro quer desmontar tudo que lembre o PT: bom ou ruim
Descrição: Bolsonaro quer desmontar tudo que lembre o PT: bom ou ruim Crédito: Gazeta On Line

O presidente Jair Bolsonaro, do PSL, entra no quarto mês do seu governo desmontando a estrutura de 35 conselhos e comitês. Talvez por enxergar neles mais uma herança do PT, que tanto abomina.

 

Na mesma semana temos o caso da estabanada intervenção na alta de preço do combustível na Petrobrás. Sem pé e sem cabeça. Sem elaborar uma mudança na política que atende o mercado. Sem defesa dos interesses nacionalistas. Que aliás, ele não tem. Vide a subserviência aos interesses norte americanos e a manifesta intenção de "explorar" a Amazônia. De mãos dadas com o interesse das empresas americanas. Um espanto...

 

Talvez pela dificuldade que tenha de dialogar com os diferentes, de ouvir opiniões divergentes, ou simplesmente de conviver com os instrumentos da democracia o presidente segue sua Operação Desmonte. Destruir instrumentos criados para chamar à participação nas decisões das políticas públicas de Estado (e não de governos), segmentos historicamente excluídos quando o assunto era tratar de decisões sobre questões de seu interesse direto.

 

É assombroso para a comunidade internacional, cada passo, cada declaração, cada posicionamento do presidente da República no recuo, no desmonte, que ele faz das políticas nas quais o Brasil avançou nos últimos 30 anos. A despeito de qualquer acusação que se possa fazer aos governos petistas, de ter convivido e ou permitido esquemas de corrupção, mensalão e afins, as políticas de defesa de comunidades fragilizadas e invisibilizadas ao longo de século, avançaram nos governos Lula e Dilma. Não há razão para abrir mão delas.

 

A extinção de 35 conselhos e comitês que tratam desde a questão indígena, à situação da população de rua. Conselhos que tratam da política de contenção de danos da população usuária de drogas (que existe, é real e não pode ser varrida para debaixo do tapete), do direito da pessoa idosa, da Erradicação do Trabalho Infantil, entre tantos outros, deixaram de existir numa canetada.

 

Sem custo, sem pagamento de salários, sem nada além da manutenção das condições físicas e materiais para que estes conselhos nacionais se reúnam, tracem metas, sugiram medidas, não cabe ao governo o argumento de economia. O que o presidente da República fez foi reduzir o diálogo institucional do Estado, com segmentos fragilizados da sociedade, que a elite brasileira quer que permaneçam invisíveis, como se fossem inexistentes.

 

Embora alguns entendam que o principal alvo fosse extinguir a discussão promovida em torno do combate à discriminação da população LGBT, os alvos foram múltiplos.

 

É a incapacidade do diálogo se mostrando de forma incontestável. E um governo que não dialoga só caminha para ser mais autoritário do que se imaginava.

 

Ao fazer um discurso raso na viagem que fez aos Estados Unidos da América, com a afirmação em suas breves palavras que havia muita coisa para ser “desmontada” no Brasil, para que depois se pensasse em construir, o presidente da República deixou claro seu propósito.

 

O problema é o prejuízo que já causa ao País seu despreparo, suas declarações impensadas, suas intervenções sem rumo certo que não o aplauso populista nas redes sociais que manobra como um motorista inábil.

 

O Brasil precisa urgentemente que a direita lúcida – se ela existir – intervenha como um instrumento de controle para um presidente completamente descontrolado.

 

Na minha adolescência, lá no interior de Goiás, ainda com o País sob comando dos militares, no final do período que se sucedeu ao golpe de 1964, conheci homens inteligentes defendendo bandeiras conservadoras. Pautas de direita, mas com respeito aos cidadãos. Era um preconceito embutido contra negros e índios, mas sem o desrespeito e o deboche que se lê hoje nas redes sociais, por exemplo. 

 

Nenhuma delas incluía o que faz Bolsonaro hoje, num ataque desproporcional e sem propósito contra todos que lhe soam diferentes. Há que respeitar a população indígena, há que garantir os direitos de cidadania a todos os cidadãos brasileiros, independente de orientação afetiva, há que preservar e proteger nossas crianças, e há que avançar nas políticas que amenizam o sofrimento dos degradados sociais. 

 

O ambiente está extremamente tóxico com a perda do limite entre o que é opinião, preconceito e direitos duramente conquistados. Em leis.

 

Não consegui escrever sobre os 80 tiros no carro branco que carregava um músico negro e sua família no Rio de Janeiro. Tudo é tão óbvio e tudo já foi tão falado. Só consegui destravar sobre esse assunto ouvindo o discurso da jornalista e professora Jocyelma Santana na tribuna da Assembléia Legislativa esta semana, na Sessão Solene em homenagem aos jornalistas.

 

Ela tocou no assunto, para se emocionar. Engasgar, chorar, e nos fazer chorar também, num sentimento de impotência. Fica a pergunta: Que País é Esse, que ajudamos a construir na defesa de nossas liberdades nas últimas décadas? O que ele está se tornando?

 

Não há licença para matar. Um homem só, mesmo sentado na cadeira de presidente, não tem poderes para autorizar isso num País civilizado e em plena vigência do Estado de direito.

 

Não há outra saída a não ser resistir. Protestar. Escrever. Publicar. Esclarecer. Fazer pensar.

 

Bolsonaro não tem o direito de desmontar os direitos de milhares de brasileiros de serem vistos. Ouvidos. Respeitados.

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