Quarta fase da Ápia escancara origem de fortunas repentinas e mostra que há esperança

O relatório que a Polícia Federal fez para convencer o juiz federal da necessidade de prisão temporária dos envolvidos na Ápia é reveladora sobre a origem de fortunas repentinas em Palmas...

A Polícia Federal não tem podido chamar a imprensa para acompanhar suas operações, mas a gente sempre fica sabendo. Um morador vê o movimento seis horas da manhã. Um amigo liga avisando. Enfim...

 

A Polícia Federal também não tem podido dar mais aquelas coletivas com detalhes do processo, mas eles sempre acabam vazando. Afinal, muita gente vê, pega, manuseia, copia, fotografa.

 

Doze dias depois de deflagrada a quarta fase da Ápia tive a oportunidade de ter acesso ao relatório. Uma leitura reveladora.

 

Mergulhei nas 64 páginas do pedido formulado pela Superintendência da Polícia Federal ao juiz Leão Aparecido Alves com a desconfiança que esta série de conduções coercitivas me provocam, aliadas ao circo que vinha se formando em torno de toda e qualquer operação da PF nos últimos dois anos. Desconfiança gerada pela antipatia que tenho por corruptores imediatamente absolvidos pelo julgamento popular por que delataram. Como se fossem menos criminosos do que os outros, os corrompidos. Embora nesse jogo seja difícil saber mesmo quem é corruptor e quem é corrompido.

 

O que se deduz das apurações resumidas no pedido de prisão temporária -  negado pelo juiz - e de condução coercitiva, concedido, é que o juiz, por óbvio, tem mais prudência que a polícia. E que as acusações são graves, muito graves. Gravíssimas.

 

Não é possível ignorar algumas falhas. Por exemplo: como pode ser possível essa conta de R$ 200 milhões desviados, se as obras - em sua maioria -  foram executadas?

 

 

Por bem ou por mal, ainda que algumas possam ter defeitos de qualidade do material empregado, ou de execução, foram realizadas. Custaram pouco mais que isso. Razão pela qual o desvio, em nenhuma hipótese, pode ser esse. Pelo menos se considerado o conjunto de obras e contratos listados na Ápia. Para entregá-las foi preciso despender com a compra de material betuminoso, aluguel de máquinas além das próprias contratação de pessoal. Toda uma roda que gira. 

 

Se considerarmos verídicas, prontamente, as informações que vão no resumo do inquérito 0065422-92.2016.4010000 as comissões ou propinas, ou ainda “divisão de lucros”, conforme lançadas na contabilidade das empresas, eram: 10% de 2011 a 2014, pagas supostamente por vias intermediárias ao destinatário final, Eduardo Siqueira Campos; 2%, instituídos, conforme um dos delatores, em 2013, com a chegada de Kaká Nogueira, e a ele destinados, via sua empresa KK Máquinas, ou ainda uma outra de Brasília, Del Sabor.

 

Essa teria recebido R$ 3 milhões em transferências, oriundas da EHL, e que teriam sido repassadas à Alvicto Ozores Nogueira, diz a PF em seu relatório. Além dos 12%, somados 10% mais 2%, haveriam ainda mais 25% de aditivo, com o objetivo de financiamento de campanha.

 

Assim, na melhor das contas, se todas as obras custaram somadas, 200 milhões (que não foram pagos na sua totalidade), 12% delas somariam R$ 24 milhões. Considerando que todas tenham recebido aditivo de 25%, seriam mais R$ 50 milhões. Esta conta nos daria R$ 74 milhões e não R$ 200 milhões desviados.

 

Ah, mas qual a diferença? O apreço à verdade dos fatos, para começar. E o valor a ser devolvido, óbvio, pelos que tenham se apropriado indevidamente deste dinheiro.

 

Um exemplo. É difícil imaginar que um procurador de Justiça tenha criado três filhos criminosos. Um engenheiro e dois advogados. Se isso tiver acontecido, calculo, será a mais amarga decepção que um pai pode ter. E qual o crime dos filhos de Clenan de Melo Pereira? 

 

Segundo o relatório da PF, o escritório dos irmãos Melo, filhos do procurador geral de Justiça e irmãos de Renanzinho, superintendente na Ageto, entram na suposta organização criminosa por terem com a EHL um contrato -  que a PF sustenta ser fictício e apenas instrumento de repasse de fundos - de prestação de serviços advocatícios, embora não representem a empresa em nenhuma ação conhecida. Valor do contrato: R$ 700 mil reais.

 

Todas as acusações podem ser resumidas em que a PF viu - nos depoimentos, documentos, conversas de WhatsApp e demais elementos reunidos - materialidade para acusar os envolvidos pelos crimes de: desvio de recursos públicos, fraude em licitação, atos de corrupção, crime financeiro e lavagem de dinheiro.

 

 

Em mais de dois momentos é feita a afirmação de “todas as licitações foram fraudadas” e “todos os aditivos foram aprovados sem que houvesse base fática” para tanto. As frentes de obras eram duas, os responsáveis eram dois, e o maior delator foi até onde se sabe, o sub-secretário, Murilo Cardoso, imediato de Kaká Nogueira, que conta ter participado da intermediação de diversas situações que envolviam ordem de pagamento para as empreiteiras.

 

Embora os contratos de diversas empresas estejam passando por questionamento, os casos em que se nota maior discrepância (pelo menos na análise dos papéis) é da construtora Barra Grande. Uma de suas obras,a estrada de Tupiratins, com início em 15 de maio de 2014, tinha previsão de conclusão em 720 dias, mas teve seis medições e 97,80% da obra paga no prazo de 172 dias. O relatório da PF não é preciso quanto à data do recebimento dos valores, mas aponta que “possivelmente”(sic) tenha sido antes das eleições.

 

Pesa contra a Barra Grande, ainda, a descoberta na sede da empresa de uma planilha no valor de R$ 6 milhões, 525 mil, em orçamentos de carro de som para a campanha de candidatos a deputado federal e estaduais. Daí nascem as perguntas: Quem pode afirmar que todos estes gastos foram contraídos e pagos? E se tiverem sido, houve prestação de contas? Há alguma repercussão desses fatos, supostamente criminosos para o mandato dos que foram eleitos e estão na planilha?

 

Coisas a se apurar e entender os desdobramentos nas cenas dos próximos capítulos da novela da Ápia no Tocantins. Até então haviam ocorrido três incursões da PF, nas fases 1 - em 13 de outubro de 2016, na fase 2, em 28 de outubro de 2016 e na fase 3 em 7 de fevereiro de 2017. A quarta fase da operação ocorreu, pela necessidade, segundo a PF de “aprofundar”  as investigações a partir dos elementos novos agregados pelos depoimentos e provas.

 

No final de sua decisão, que concede a condução coercitiva dos acusados de integrar a organização criminosa o juiz determina que seja feita à luz do dia, que sejam apreendidos só os materiais atinentes aos objetivos da operação, e que não sejam concedidas entrevistas de delegados sobre o teor da operação. Em síntese: limitou o circo.

 

É claro que muito ainda vem pela frente especialmente por que cada um dos acusados fará suas alegações e apresentará suas defesas. Se a contratação das obras se deu de maneira ilegal e a execução de maneira irregular, o que fazer para restituir o patrimônio público lesado? Pergunta difícil de responder.

 

O documento ao qual o T1 Notícias teve acesso responde algumas perguntas que já se ouvia pelas ruas e bares de Palmas, como por exemplo a origem misteriosamente rápida do enriquecimento de alguns prepostos. Gente que a cidade conheceu humilde e de repente estavam andando por aí de carro importado e erguendo mansões milionárias.

 

Mas o melhor da quarta fase da Ápia é que esclarece que nem todos aceitam participar de esquemas que comprometam tanto a lucratividade de suas empresas quanto a paz de poder dormir sem a PF na porta.

 

É o caso de um empreiteiro que relata ter sido pressionado para sair de determinada licitação. Não saiu. Em seguida foi pressionado a pagar 17% de propina quando ganhou a obra. Não pagou. Retaliação: retirou-se da sua obra, as verbas de financiamento, garantidas, e deixaram apenas a fonte 00, que paga a poucos. Conclusão: ele iniciou a obra, parou na primeira medição e nunca mais recebeu. Seu depoimento, revelando as reuniões das quais participou, quem estava nelas, e o teor da conversa, é uma das partes mais bombásticas.

 

Neste caso temos uma testemunha, que não se corrompeu, expondo as vísceras do esquema. Não é um corrupto, nem corruptor premiado disposto a delatar seu próprio esquema criminoso para amenizar sua pena.

 

Desses dá para ter orgulho. Mas só destes. Que são poucos e raros, mas ainda reacendem a esperança.

 

 

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