Vidas perdidas numa tragédia social dos nossos tempos que a política não enxerga

Falo deste tema em plena quinta-feira, quando amigos choram no Facebook a perda de mais um amigo deles. Somos todos uma grande aldeia virtual, onde a dor do outro nos comove e afeta diretamente

Não é uma questão de estatística, mas a academia, onde ainda se respira preocupação com os grandes temas que afligem nossa sociedade contemporânea, eurocêntrica, ocidental, capitalista, precisa voltar com urgência um olhar cuidadoso para os fatos estampados nas páginas de jornais e nas telas de portais de notícias, cada vez com mais frequência.

 

Para além da guerra urbana de classes, que mata nas periferias, negros e pobres numa proporção assustadora, há uma tragédia em curso afetando principal e especialmente nossa juventude. Depressão e suicídios.

 

Um tema sensível, polêmico, com o qual se deve ter sempre redobrados cuidados nas redações.

 

Há uma dicotomia que enfrentamos sempre que vamos abordá-los, uma vez que a notícia é imperiosa e não há como negá-la ou disfarçá-la, sempre que tais mortes acontecem. Especialmente por que dada a comoção que causam, são sempre muito exploradas nas redes sociais. Ou seja: de nada adianta que um ou outro veículo ignore, não publique, ou dê o fato incompleto, noticiando mortes sem dizer como ocorreram, ou seus porquês.

 

Parêntese. No T1 estamos atentos ao manual para a imprensa que foi criado pela OMS - Organização Mundial da Saúde para a abordagem de suicídios. O que nem sempre acalma a ânsia dos que, revoltados com a perda, querem negá-la, especialmente nos veículos de comunicação.

 

Fecha parêntese.

 

Falo deste tema em plena quinta-feira, quando amigos choram no Facebook a perda de mais um amigo deles. Somos todos uma grande aldeia virtual, onde a dor do outro nos comove e afeta diretamente.

 

Como o suposto desaparecimento de uma menina de cinco anos, na Praia do Prata semana passada, que não passava de uma simulação. Testemunhas da encenação teatralizada viram, e levaram da praia para as redes o pedido de socorro que era falso. Das redes para os portais e jornais, com a confirmação de fontes oficiais. Um teatro de horrores, que fez com que pessoas se comovidas se mobilizassem em orações e coisas do gênero. Muito pranto por nada. E a vida seguiu após um fake news oficial de mau gosto.

 

Falo disso por que falar de sentimentos que movem a vida das pessoas  em plena quinta-feira parece menos importante que falar de contas públicas que não fecham, de tempos de crise, e de escolhas partidárias, mas não é.

 

A depressão avança para ser uma das doenças dos nossos tempos sombrios, de solidão coletiva. Mas seja lá por quais razões forem - e que devem obviamente ser objeto de estudo - ela se torna problema de saúde pública que afeta especialmente os mais jovens, embora não somente estes.

 

O fenômeno da tentativa de socializar em grupos que exigem de adolescentes provas de resistência que trazem em si um absurdo desprezo pela vida (como se prova de coragem fosse se enforcar e filmar para compartilhar e ser aceito num estranho grupo de “amigos”) proliferam sem requerer das autoridades muito controle. E a escola, palco de quase tudo, precisa de ajuda para lidar com mais isso.

 

Sobre os suicídios, famílias inteiras precisam de ajuda. Trata-se de uma questão de saúde pública também e mais que somente isso: de políticas públicas de inclusão. 

 

Dados divulgados ainda no ano passado, pelo Ministério da Saúde, mostram que o índice de suicídios cresceu entre 2011 e 2015 no Brasil e, assustadoramente, se tornou a quarta maior causa de mortes entre jovens de 15 e 29 anos. Em 2011, foram 10.490 mortes: 5,3 a cada 100 mil habitantes. Já em 2015 o número chegou a 11.736: 5,7 a cada 100 mil, segundo dados são do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).

 

O que está acontecendo de tão grave que permeia nossa sociedade incrivelmente moderna e avançada para adoecê-la assim não é tema de discussão política. Mas deveria. Para que um dia o desenvolvimento no nosso País possa ser medido não somente pelos bons índices conquistados na educação, na segurança, ou na atenção básica à saúde pública, mas também num vago conceito chamado felicidade.

 

E este deveria incluir menos gente se matando. Por hora seguimos lamentando a perda de vidas de Dalétis, Anas, Joãos e Plínios, e tantos outros que seus amigos e famílias choram. Mas não basta lamentar. É preciso agir.

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