Voto, emenda e moeda de troca: uma afronta à memória de João Ribeiro

João sabia como ninguém costurar uma aliança. Era um home das antigas, dos que empenhavam a palavra no fio do bigode

João Ribeiro e Ataídes de Oliveira
Descrição: João Ribeiro e Ataídes de Oliveira Crédito: Montagem/T1 Notícias

Poucos políticos no Tocantins alcançaram ao longo de suas carreiras a sabedoria, perspicácia e habilidade que tinha meu amigo João Ribeiro. Prefeitos que o apoiaram e ajudaram a construir o mandato mais eclético em termos de votos e apoio de legendas no Tocantins tem estranhado o estilo do herdeiro dos seus votos, seu ex-suplente Ataídes de Oliveira. Estes não se cansam de dizer que João sabia como ninguém costurar uma aliança. Era um homem das antigas, dos que empenhavam a palavra no fio do bigode.

 

Aliás, empenhar era o verbo favorito do finado senador João. Empenhar praças e creches. Empenhar passarelas, pontes e estradas. De onde está, fico pensando que seria melhor que Deus não permitisse que João visse o acontece hoje com seu mandato. Seus aliados, líderes, vereadores, prefeitos, gente que o acompanhava, independente de legenda, sabem bem do que estou falando. Suas emendas, transformadas em obras, facilitavam votos por todo o Tocantins. E ninguém nunca teve que mudar de partido por causa disso. A debandada de prefeitos que se filiaram ao PSDB, deixando principalmente o PSB, a convite do senador Ataídes de Oliveira podem não ser a única. Circula nos bastidores que o senador articula novas adesões à sua legenda no Tocantins, e com que argumento? Liberação de emendas.

 

Estaria Ataídes avançando, por exemplo, no PV da vice-governadora Claudia Lelis, causando dilema e o constrangimento em alguns de ter que escolher entre a lealdade aos que o ajudaram sempre, e a oportunidade de juntar alguns milhões em obras aos municípios.

 

A prática da troca de emendas ou votos no Congresso Nacional é usual, sabidamente conhecida e, para muitos brasileiros, considerada asquerosa. Mas a troca de emendas por filiações é algo inédito. Senão, vejamos:

 

Kátia Abreu, senadora e ministra da Agricultura, no auge do exercício do seu poder de influência junto ao governo Dilma não filiou ninguém em troca de emendas.

 

Eduardo Gomes, um dos políticos mais habilidosos que conheço em arrebanhar prefeitos, vereadores, deputados e líderes, ficou oito anos reinando em seu mandato de deputado federal na Câmara em Brasília sem precisar tirar a legenda de Siqueira Campos, que já era ex-governador. Nem se tem conhecimento que tenha condicionado liberações de emendas em todo o Estado em troca de filiações partidárias.

 

De fato é uma nova escola essa inaugurada pelo senador Ataídes. Deve ser algo da nova política de tendência empresarial. Ouvi nos bastidores outro dia que toda essa articulação seria uma tentativa de isolar o prefeito da Capital em uma possível pré-campanha ao governo do Estado. Dá o que pensar o quanto isso, lá no final, poderá representar em votos. Me lembra por exemplo o ex-governador Sandoval Cardoso, apoiado por diversos prefeitos, perder a eleição em colégios eleitorais importantes em 2014.

 

Aí fica a pergunta: até que ponto prefeitos ainda conseguem interferir no voto do cidadão nos grandes colégios eleitorais do Estado? É por essas e outras que dá o que pensar: onde é que vai dar essa inovação?

 

Ouvi de um político experiente: “parece que faltou o Ataídes conviver mais e beber na fonte do grande João Ribeiro”.

 

Por hora, os prefeitos que aderem ao PSDB estão apenas aceitando a moeda de troca oferecida pelo senador. Mas lá na frente poderão tomar o rumo que quiserem, apoiando quem queiram, estando ou não no PSDB, até porque não estão sujeitos a perder mandatos por infidelidade partidária.

 

Numa roda de prefeitos outro dia, um mais gaiato que os outros, saiu-se com essa: “Rapaz, porque que você não se filia? Você pode se desfiliar 48 horas depois de receber as emendas, que mal que tem?”. Ao que o outro respondeu: “Moço, eu tenho constrangimento em fazer uma coisa dessa!”. O primeiro voltou a responder: “Se a troca é essa filia-se compadre! Afinal esse mandato aí é nosso e se lá no fim o senador achar ruim, basta você responder: ‘ninguém pode me cobrar um voto que eu ajudei a dar a João Ribeiro’”.

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