Breve debate sobre a Emenda Constitucional 110/2021

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O Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 110/2021 que acrescenta o art. 18-A no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias com a seguinte redação: “Os atos administrativos praticados no Estado do Tocantins, decorrentes de sua instalação, entre 1º de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 1994, eivados de qualquer vício jurídico e dos quais decorram efeitos favoráveis para os destinatários ficam convalidados após 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.

 

O sistema jurídico pátrio já adota há tempo o convalescimento do ato administrativo anulável, como se percebe na redação do art. 54 da Lei Federal 9.784/1999, que regula o processo administrativo federal, com aplicação subsidiária especial para os Estados e Municípios onde não houver regulamentação específica, nos termos da Súmula 633 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

 

Todavia, a Emenda Constitucional ela inova, pois traz o convalescimento amplo, geral e irrestrito de todos os atos administrativos praticados nos cinco primeiros anos da autonomia do Estado do Tocantins. Difere, portanto, da norma e entendimento jurisprudencial construídos pelo Direito Administrativo, pois em que pese previsão geral, o convalescimento é reconhecido a partir de cada caso concreto.

 

Um dos assuntos mais comentados se refere à convalidação do concurso público com pontuação extra para os pioneiros do Tocantins. O título de pioneiro foi concedido a todos os que participaram do processo de instalação do Estado do Tocantins. Na ocasião do primeiro concurso público para provimento dos cargos do recém-criado Tocantins, cada pioneiro recebeu trinta pontos extras, inconstitucionalidade reconhecida posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 598, o que ensejou na exoneração de todos os aprovados de forma irregular.

 

A inconstitucionalidade na atribuição de ponto extra para pioneiros é patente, mas nestes tempos onde o óbvio é questionado e a ciência menosprezada, vale a pena rememorar. Medidas de discriminação positiva são admitidas no ordenamento jurídico brasileiro, desde que atendendo alguma finalidade constitucional. Por isso, há políticas públicas exclusivas para mulheres, negros, indígenas, quilombolas etc. Ou seja, há que se reconhecer uma segregação sócio-histórica para promover a igualdade em sua acepção material.

 

Desta forma, a anistia ampla e irrestrita aos atos administrativos promovida pela EC 110/2021 já encontra óbice na questão do concurso dos pioneiros, pois estes não são um grupo socio-historicamente excluído. Caso seja promovida a reintegração aos cargos, haverá um severo prejuízo ao orçamento do Estado, com indenização de salários não pagos e inclusão nos quadros administrativos.

 

A Emenda Constitucional 110/2021 não indica a cargo de quem ficarão os ônus decorrentes. Quando da instalação do Estado, a União assumiu os encargos e débitos que o Estado de Goiás realizou no que hoje é o Tocantins. Então, a União arcaria com os custos e indenizações dos servidores reingressantes, como decorrência do seu ato de convalidar todos os atos administrativos praticados na instalação do Estado?

 

A questão do concurso, manifestamente inconstitucional, é apenas um efeito do acréscimo do artigo 18-A do ADCT. Talvez seja o problema pequeno para distrair dos grandes problemas. A redação confere uma anistia geral, ampla e irrestrita de todos os atos administrativos com efeitos favoráveis aos destinatários, salvo má-fé.

 

Ou seja, toda uma série de distribuições de lotes, glebas, benefícios fiscais, vantagens pecuniárias, promoções que foram questionados judicialmente serão convalidados, pois a má-fé exige comprovação, inclusive pela Administração, que deve comprovar que o particular/destinatário agiu de má-fé para retirar o ato administrativo. Um mundo de ilegalidades pode ser absorvido, causando mais prejuízo ao erário e à segurança jurídica.

 

A Emenda Constitucional aprovada inviabiliza a continuidade do Estado do Tocantins, cuja autonomia rompeu com décadas de isolamento e pobreza em razão da imensidão que era o antigo Estado de Goiás, que também era bem precário até 1980. A autonomia do Tocantins trouxe inclusão e desenvolvimento para milhares de pessoas. O impacto do reingresso daqueles servidores do primeiro concurso público inviabilizará toda a Administração Pública Estadual, já tão carente.

 

Mia Couto dizia que “o mal de uma nação pobre é que em vez de produzir riquezas, produz ricos”. A quem interessa uma anistia ampla e geral de todos os atos administrativos ilegais que geraram benefícios patrimoniais aos particulares? O primeiro concurso público anulado é um distrator da obviedade, mas quantos atos não foram impugnados, especialmente no tocante a distribuição de glebas urbanas e rurais, bem como a concessão de benefícios fiscais?

 

O Supremo Tribunal Federal precisa enfrentar a constitucionalidade da Emenda Constitucional 110. Atenta contra a segurança jurídica, contra a estabilidade orçamentária, contra o patrimônio público, contra a segurança fiscal. Os efeitos serão devastadores, e poderá condenar o Tocantins, um Estado ainda muito pobre, à miséria e ao subdesenvolvimento.

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