A lucidez de Siqueira dá vez à lealdade de Gomes, que vinha no sacrifício pelo grupo

Eduardo Gomes assume a cabeça de chapa após aceitar ser acomodado como suplente para não sacrificar candidaturas importantes do grupo. Siqueira segue suplente, cuidará da saúde e ainda poderá assumir

Ex-governador Siqueira Campos
Descrição: Ex-governador Siqueira Campos Crédito: Divulgação

Assisto desde ontem, quando circulou nas rodas políticas a notícia da desistência do ex-governador Siqueira Campos da postulação ao Senado da República, um festival de comentários equivocados, feitos por quem desconhece os bastidores e boa parte da história do grupo que governou o Tocantins, soberano, por mais de quatro mandatos.

 

Uns falam de conspiração, como se Siqueira tivesse sido lançado para alavancar Eduardo… o Gomes. E depois sair de cena, deixando o mandato de senador para o de suplente.

 

Outros falam de uma suposta “esperteza” de Eduardo Gomes em se amparar numa primeira suplência para, diante de uma fragilidade cada vez maior do ex-governador, ocupar seu lugar no Senado.

 

Nem uma coisa, nem outra.

 

Quando correu o mundo, as rodas, e as redes sociais aquela foto de Siqueira Campos chegando amparado na Convenção dos partidos que compõem com Mauro Carlesse (PHS), e em seguida a foto do ex-governador sentado, com dificuldades para respirar no ambiente lotado da convenção, sendo abanado pelo filho, Eduardo Siqueira e outros companheiros, a repercussão já havia sido enorme. Tanto na Capital, como no interior.

 

Muitos se preocuparam e se dividiram entre os que guardaram silêncio em respeito à história de Siqueira e o legado ímpar de ter sido fator preponderante na criação do Estado do Tocantins, na Constituição de 88. Outros não se contiveram em espalhar áudios em que a evidência de que as condições físicas do Velho Siqueira já não o favoreciam para enfrentar um embate eleitoral foram bastante exploradas.

 

Levado pelo nome e pela história, e movido por muitos votos de gratidão, Siqueira já alcançava fácil a casa dos 20, 22% da preferência do eleitor nas pesquisas internas. Número que a pesquisa Vetor, contratada pela Fieto, validou na semana passada.

 

Pois bem.

 

Ontem, ao falar pelo telefone com o jornalista Tião Pinheiro, e ceder ao Jornal do Tocantins a entrevista em que anuncia não ter condições físicas de enfrentar uma campanha “no interior, como os companheiros querem”, o Velho Siqueira demonstrou mais lucidez do que muitos que o cercam. Já vinha internado desde a terça e resumiu sua situação: a cada dia enfrenta um problema de saúde.

 

Siqueira demonstrou ter a exata noção da responsabilidade que parece ter faltado aos que não abriram mão de colocá-lo numa corrida eleitoral, que além de privá-lo da convivência com a família - prêmio que só os que envelhecem com dignidade conseguem alcançar nos anos finais de sua passagem pela Terra - sacrificaria ainda mais sua saúde.

 

Voltei no tempo…

 

Há bem mais de um ano tento, sem sucesso, marcar uma entrevista com Siqueira Campos para o programa História do Tocantins, que junto com Luciano Rosa, da TV Record, idealizamos para trazer ao público uma série de conversas com personagens da história do Estado e da Capital. Várias vezes tentamos marcar. Cheguei a visitar Siqueira em sua casa e a planejar com ele como seria o roteiro do programa.

 

Na ocasião ouvi dele o desabafo: num dia acordava bem, em outros levantava prejudicado pela falta de sono durante a noite, provocada por dores e mal estar, próprios de doenças que acometem quem já dobrou a curva dos oitenta e tantos anos. Que eu aguardasse um dia em que ele estivesse bem para gravar. Esse dia nunca chegou.

 

Cioso da sua imagem, Siqueira mantém o mesmo espírito altivo que moveu tantas conquistas. E também a vaidade natural com o desejo de expor adequadamente o que é sua biografia de alguém que além de liderar o processo final de criação de um Estado, foi capaz de criar uma capital no meio do cerrado bruto, formado por pedras, pasto e muita água, nas fazendas que aqui existiam no final dos anos 80.

 

De volta ao dia de ontem, quando até o final da tarde não havia qualquer sinal de que o Velho Siqueira refluiria no desejo de disputar a eleição, um retrato da campanha que começa.

 

A casa do deputado Eduardo Siqueira Campos estava movimentada como nos áureos tempos da União do Tocantins, em que o filho já era um grande articulador de apoios em torno do poder exercido pelo pai. Prefeitos passavam por Eduardo ontem comentando a pesquisa e acertando as dobradinhas dele, estadual, com seus federais.

 

Eduardo, que há alguns meses brincava comigo no telefone que “não estava valendo meio Olyntho”, na nova configuração do poder exercido pelo governador Mauro Carlesse e os deputados em torno dele, ganhou muita força nos últimos meses. Chegou a confidenciar a amigos que esta reeleição seria mais fácil que a primeira para deputado estadual, quando amargou, ainda na campanha, as desilusões de ter lançado Sandoval Cardoso.

 

Era esse o cenário quando o telefone de Tião Pinheiro tocou no Jornal do Tocantins.

 

E ali Siqueira demonstrou que ele próprio comanda seu destino. Só foi candidato por que decidiu assim. E só deixa a cabeça de chapa para se acomodar na suplência - o que explica numa nota linda, bem escrita e que traz as referências históricas de quem viveu um tempo para ficar marcado na memória de muitas gerações que ainda virão - porque reconhece suas limitações físicas e confia que, em dias melhores, poderá ainda dar sua contribuição ao Senado.

 

E Eduardo Gomes, não se aproveitou de tudo isso? Pode se perguntar o leitor e observador mais atento.

 

Não. 

 

Eduardo Gomes é aquele que foi União do Tocantins desde criancinha. Que foi lançado candidato a deputado federal em 1998 atendendo uma estratégia do seu grupo político. Que poderia ter sido eleito com o prestígio e o poder que os dois Siqueiras -  pai e filho -  lhe conferiam, mas que foi sacrificado num telefonema de Fernando Henrique Cardoso a Siqueira Campos, pedindo por Paulo Mourão.

 

Lembrando mais: Eduardo Gomes, depois de ser vereador em Palmas e presidente da Câmara, se elegeu deputado federal num feito que poucos igualaram na política nacional. Lá se reelegeu e, com seu jeito boa praça e articulador, fez amigos e relações de poder com a grande maioria de líderes do alto clero.

 

Por fim, Eduardo Gomes é aquele que quase ganhou o mandato de senador na eleição de quatro anos atrás. Ou seja: não precisa estar à sombra de alguém. Goste-se ou não dele, de passagens controversas de sua história política, há que reconhecer que Gomes escreve sua própria história e traz a política no sangue. Por ele próprio e não por herança do velho Zé Gomes, poeta que os primeiros moradores de Palmas tiveram o prazer de conhecer e conviver.

 

Nos últimos lances de articulações destas eleições regulares, Eduardo Gomes poderia ter composto com Márlon Reis e ser candidato a senador, mas sacrificaria dois companheiros na chapa de Carlesse: o pastor Eli Borges e  Thiago Dimas. Ao final não escolheu, mas terminou ficando com o que lhe cabia depois de ter feito campanha contra Carlesse: a primeira suplência na chapa de Siqueira. Isso depois de ter ele próprio proposto a Eduardo Siqueira, numa visita, que Siqueira Campos fosse seu primeiro suplente, com a garantia de assumir e propor os projetos que ainda tem para o Tocantins.

 

Proposta, na época, prontamente recusada.

 

Parêntese. 

 

Se tem uma coisa de que não podem acusar Gomes, jamais, é de trairagem. Foi fiel sempre aos seus companheiros. Basta ver que ficou ao lado de Vicentinho Alves na suplementar. E depois da derrota no primeiro turno não migrou para o barco de Carlesse, onde a priori, já estavam os deputados do Solidariedade. Comportamento para poucos.

 

Fecha parêntese.

 

Voltando do mergulho na história e nos bastidores da desistência de Siqueira, a quem muitos já davam como eleito na primeira vaga, resta dizer que a eleição está em aberto, mas que a chapa majoritária de Carlesse não perde com a mudança.

 

Eduardo Gomes candidato ao Senado, com Siqueira na suplência, vai tocar o barco como um grande nome. Por tudo que já tem de história e a rede de relacionamentos que construiu na política, Gomes manterá a alta intenção de votos em torno da dupla.

 

A meu ver, a eleição começa com dois favoritos: essa chapa Eduardo Gomes/Siqueira e a de Vicentinho Alves. 

 

Este último ganhou musculatura própria, manteve a coerência de permanecer na oposição, tem serviço prestado e memória de urna. Acabou de sair de uma eleição em que foi atropelado pela máquina e no interior todo mundo sabe disso. 

 

Com dois votos para dar aos candidatos ao Senado, o eleitor tocantinense tem amplo leque de escolha a fazer.

 

No mais, não se pode ignorar, por preconceito, que o deputado federal Irajá Abreu vai disputar essas eleições como gente grande. Tem uma rede grande de prefeitos, líderes rurais e sua própria turma, outra geração que não a da mãe, senadora Kátia Abreu.

 

Kátia, aliás, com a candidatura a vice-presidente de Ciro Gomes, pode alçar o Tocantins no cenário nacional como nunca. 

 

Mas isso já é assunto para outro artigo.

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